Golfinhos contaminados transferem poluentes aos filhotes via placenta

Originalmente publicado em: Agência Universitária de Notícias. Ano 48 nº 35. 13/05/2015.

Essas substâncias não são necessariamente prejudiciais para o animal adulto, mas podem representar perigos para aqueles ainda em desenvolvimento

toninha 2 10x15Pesquisa desenvolvida por Ana Paula Moreno Barbosa, estudante de mestrado do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP), constatou a existência de transferência transplacentária de contaminantes em golfinhos. A pesquisadora procurava analisar a contaminação por Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) em toninhas, uma espécie de golfinho que habita a região costeira entre o Espírito Santo e o Uruguai. Apesar de não haver a intenção de se estudar esse fenômeno de transferência, os resultados acabaram apontando para uma ocorrência até então pouco estudada – não existe literatura sobre esse fenômeno na espécie em questão.

Os POPs são substâncias lipofílicas, capazes de atingir longas distâncias e resistentes à degradação – portanto, persistentes no ambiente. Isso faz com que eles possam se acumular nos organismos, principalmente nos tecidos gordurosos. São encontrados em maiores concentrações em organismos de topo de cadeia, devido à bioacumulação – processo que ocorre quando um composto químico se acumula num organismo, e seus níveis vão aumentando ao longo da cadeia devido à alimentação.
“Os golfinhos, no caso, têm a tendência de ter uma significativa camada de gordura, para flutuabilidade, termorregulação e pras necessidades energéticas. Isso faz com que eles estejam vulneráveis à acumulação desses compostos”, explica Ana Paula. É conhecido que os POPs atuam como desreguladores endócrinos, podendo, portanto, afetar no desenvolvimento e na reprodução desses animais, interferindo também na conservação da espécie.

Entre as dificuldades enfrentadas por Ana Paula na execução de seu trabalho estão as baixas concentrações dos compostos nos tecidos estudados, o que exigiu a otimização da metodologia e um grande número de amostras, para se obter resultados precisos. Além disso, a espécie estudada não pode ser feita de cobaia, já que está ameaçada de extinção; essa condição dificulta o estudo e a compreensão de como os poluentes atuam nesses organismos. Os golfinhos estudados são vítimas de captura acidental decorrente de atividade pesqueira, muito frequente na região de Cananéia (litoral do estado de São Paulo).

 

Metodologia e resultados

A pesquisa foi feita a partir de 19 amostras coletadas entre 2012 e 2014, dentre elas sete machos (quatro adultos e três jovens) e nove fêmeas (cinco jovens e quatro adultas e, dessas quatro adultas, três gestantes). Os fetos das gestantes também foram incluídos no estudo, que procurou analisar a distribuição e a acumulação dos POPs nesses golfinhos para, assim, verificar se os compostos têm o mesmo comportamento no organismo, tanto na gordura como em outros órgãos.

Quando comparados machos e fêmeas adultas em um mesmo estágio de maturidade, foi observado que fêmeas gestantes apresentavam menores concentrações de POPs em seu organismo em relação aos demais (tanto machos quanto fêmeas não gestantes). Isso ocorre devido à transferência transplacentária, da mãe para o filhote, desses poluentes. Os resultados mostraram ainda que essa transferência aumenta de acordo com o tempo de gestação.

De acordo com Ana Paula, isso é preocupante pelo fato dos fetos ainda estarem em desenvolvimento – portanto, ainda não têm completa a formação da barreira hematoencefálica, que deveria proteger seu Sistema Nervoso Central contra essa contaminação. Dessa forma, podem haver problemas de má formação.

Ao final do estudo, a gordura se mostrou, de fato, o melhor tecido para a análise dos POPs, além de ser representativa: “Não só ela é a melhor para o monitoramento desses compostos lipofílicos, por ter maior afinidade em acumulá-los, como também reflete os outros órgãos – caso do fígado, que é um órgão importante para a toxicologia”.

É importante ressaltar que, no que diz respeito às amostras analisadas, os contaminantes em questão não são necessariamente perigosos para os golfinhos adultos – segundo a orientadora de Ana Paula, Rosalinda Montone, “não foi encontrado nada que indicasse um alerta”. Além de estarem presentes em concentrações baixas no organismo (da ordem de grandeza de nanograma por grama), seu acúmulo em tecidos gordurosos faz com que seja pequena a presença no sangue dos animais.

“Apesar do Sistema Nervoso Central, o cérebro, ter um teor lipídico maior [que os outros órgãos] – ou seja, ele pode atrair essas substâncias – ele tem uma proteção que é a barreira hematoencefálica, então esses compostos vão ter uma dificuldade a mais para chegar lá. Eles não estando presentes numa concentração alta na corrente sanguínea faz com que esse acúmulo na gordura seja uma proteção, porque ele não vai atuar no órgão-alvo; ele ‘isola’. Em casos de inanição, eles podem usar a gordura de uma forma energética e aí pode até acontecer dos POPs irem para a corrente sanguínea e afetar o SNC ou algum outro órgão”, finaliza a pesquisadora.

 

Sobre os POPs

Entre o grupo dos chamados Poluentes Orgânicos Persistentes estão os PCBs (bifenila policlorada), os PBDs e os DDTs (Dicloro-Difenil-Tricloroetano), sendo este último um dos mais conhecidos inseticidas de baixo custo.

Devido aos riscos que apresentam para o meio ambiente, esses compostos têm uso banido ou controlado na maior parte do planeta. Portanto, num nível global, sua presença diminuiu. Entre os locais que ainda usam o DDT, por exemplo, estão China e Índia, uma vez que ainda não existe nenhuma forma de controle melhor da malária do que administrá-lo em doses controladas. Rosalinda acrescenta: “Mesmo ele tendo sido banido na década de 70 no hemisfério norte, nós [América Latina] usamos até a década de 90. Então de lá pra cá, a gente espera que [a concentração no ambiente] diminua, mas ainda não temos dados para isso”.

Nesse sentido, o trabalho de Ana Paula também vem para preencher as lacunas que persistem no estudo desses poluentes: quando se entende como o organismo – no caso, o da toninha – funciona, sua contaminação serve como um indicador de contaminantes no ambiente. Os dados coletados a partir dessa pesquisa vão integrar outros da série temporal, contribuindo, assim, para essa linha de pesquisa.

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