Caranguejos “maria-farinha” apresentam potencial como indicadores ambientais

Originalmente publicado em: Agência Universitária de Notícias. Ano 48. Nº 37. 20/05/2015.

Tocas cavadas pelos animais são ferramentas para estudar suas populações e habitats

ocypode quadrata 10x15Pesquisa desenvolvida no Instituto Oceanográfico da USP procurou explorar o potencial do caranguejo Ocypode quadrata como bioindicador. O objetivo da tese de doutorado, de responsabilidade de Maíra Pombo, foi preencher lacunas no conhecimento sobre a espécie, com o intuito de testar as respostas dos organismos como ferramenta para perceber alterações do meio.

O caranguejo, conhecido no litoral como guaruçá e chamado pelos turistas de maria-farinha, vive na praia e constrói tocas na areia. “O fato dele construir tocas permite que os cientistas e gestores trabalhem com elas pra ter medidas populacionais (distribuição de abundância e tamanho), ao invés de trabalhar com os animais diretamente, o que é muito mais complicado”, explica Maíra. Esse método, chamado indireto, é bastante usado para o grupo (Ocypode) e, justamente por simplificar o trabalho, torna viável o uso da espécie para monitorar ambientes.

Monitorando organismos-chave para um determinado impacto, é possível reconhecer a alteração e implantar medidas de gerenciamento de uma maneira mais eficaz do que outras. No caso do Ocypode, a alteração seria na estrutura da população – basicamente medidas de abundância e tamanho. Como exemplo, Maíra cita o fato de populações serem vistas abaixo do que até então se tinha como o limite sul de ocorrência da espécie, o que é um forte indício do efeito das alterações climáticas sobre ela.

A pesquisadora explica, ainda, que o método é preferível à medição direta de fatores físico-químicos por uma série de motivos, incluindo a facilidade de se identificar substâncias e de se fazer previsões, além de não haver o risco de cometer equívocos com ocorrências muito pontuais.

Escavação, o melhor método

A pesquisa foi realizada em várias etapas, sendo a primeira delas entender como as estruturas da população e de suas tocas variam naturalmente no tempo e no espaço. Para atingir esse objetivo, foram necessárias áreas que tivessem sofrido o mínimo de impacto possível.

Ao longo de um ano, foram estudados diferentes tipos de praias: no total, nove, representando três tipos de morfodinâmica (estudo etiológico das formas dos seres organizados e suas condições de evolução) e três níveis de exposição às ondas. A princípio, a metodologia foi testada e a estratégia que, apesar de dispendiosa, se mostrou mais eficaz para identificação dos indivíduos nas tocas foi a escavação.

O processo foi feito para capturar os caranguejos, única maneira de confrontar as informações advindas das tocas (indiretas) e dos animais (diretas). Sua realização foi possível com o auxílio de um cabo semiflexível, que dava acesso ao fundo da toca, onde se podia identificar com o tato eventuais ramificações onde os animais poderiam estar. Uma vez capturado, o espécime era contabilizado e medido, seu sexo identificado e, finalmente, solto. Ao final, os buracos foram novamente fechados.

Maíra ressalta, como um destaque deste trabalho, a proposta metodológica que elimina em grande parte as fontes de ruído intra e inter-praias: induzir o fechamento de todas as tocas e avaliar, algum tempo depois, apenas as que foram abertas novamente. Esse método permitiu unir, com sucesso, áreas diferentes na busca de um padrão de resposta para um mesmo tipo de impacto. “Ou seja, demos um passo importante para comparar populações de áreas distintas, o que é muito interessante pensando em bioindicação. Além disso, essa metodologia mostrou que as taxas de ocupação de tocas diferem de acordo com o nível de impacto das áreas também”, explica.

Ainda, segundo Maíra, quando se trabalha com tocas, identificar uma alteração de abundância ou tamanho pode indicar uma mera mudança na estrutura das tocas, e não na população de fato. Por esse motivo, a pesquisa procurou esclarecer tais relações, e, dessa forma, refinar resultados dos estudos.

A importância dos bioindicadores

Depois de estudados diversos fatores populacionais no ambiente natural, procurou-se identificar as consequências de alterações na estrutura dessas populações. Os impactos avaliados pela pesquisadora foram perda de habitat (erosão) e artificialização da linha da costa, como construções e remoção da vegetação.

Foi observado que não apenas a presença ou ausência dos animais indica a qualidade ambiental. “Por exemplo, a vegetação é essencial para os indivíduos se refugiarem em épocas adversas, como a de entradas de frentes-frias. Em uma área onde não há essa proteção, os animais podem estar lá, mas não significa que ele serão capazes de sobreviver até o período reprodutivo – ou seja, populações inteiras correm o risco de ser geneticamente inviáveis”.

Sobre a importância de sua pesquisa para a área da oceanografia biológica, Maíra comenta: “Nós estudamos grande parte das praias do litoral paulista, dentro e fora de áreas de conservação. Temos uma compreensão muito maior hoje do comportamento dessas populações no litoral paulista, mais do que em qualquer outro lugar”. No entanto, como a espécie em questão está presente ao longo de toda costa leste americana, a pesquisadora acredita que o estudo será relevante para além de onde foi realizado; segundo ela, várias das propostas apresentadas podem ser implantadas em qualquer praia arenosa do mundo onde a espécie ocorra. “Hoje, o processo de conscientização, de valorização da qualidade ambiental é global, é ‘viral’. E, nesse quesito, esse estudo é mais uma pequena parte a agregar essa grande transformação”.

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