Cientistas garantem: recifes da Amazônia existem, e estão vivos
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- Publicado: Terça, 01 Outubro 2019
Fonte: Jornal da USP
Um cherne se aproxima de uma anêmona a 200 metros de profundidade. Imagens da biodiversidade do Grande Sistema de Recifes do Amazonas (GARS), feitas pelo pesquisador Ronaldo Francini Filho, da Universidade Federal da Paraíba, a bordo do minissubmarino Deep Worker, do Greenpeace. – Foto: Ronaldo F.F./Greenpeace
Chegaram a dizer que eles estavam mortos, ou nem mesmo existiam; como um “fake news” da ciência. Nada disso. Os recifes da Amazônia existem, sim; estão vivos e passam muito bem, obrigado — pelo menos por enquanto —, segundo um novo trabalho publicado por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e outras cinco universidades públicas de pesquisa, na revista Scientific Reports.
As conclusões são baseadas na datação de rochas e organismos que compõem os recifes marinhos localizados na foz do Rio Amazonas, entre os Estados do Maranhão e do Amapá. Descobertos há apenas cinco anos, eles formam o que os cientistas hoje chamam de Grande Sistema de Recifes do Amazonas (GARS, em inglês), com 56 mil quilômetros quadrados de extensão — do tamanho do Estado da Paraíba.
Assim como no caso da Grande Barreira de Corais da Austrália, não se trata de um único gigantesco recife, mas de uma grande rede de ambientes recifais que se conectam ecologicamente, formando o que os pesquisadores acreditam ser um “corredor de biodiversidade” entre o Mar do Caribe e o Atlântico Sul.
“É uma área extremamente complexa, com uma diversidade enorme de habitats”, diz o pesquisador Ronaldo Francini Filho, da Universidade Federal da Paraíba.
A descoberta causou surpresa mundial em 2016 — pois muitos não acreditavam ser possível haver um ecossistema desse tipo debaixo da pluma de água doce e barrenta do Amazonas — e acabou gerando uma situação de conflito entre cientistas, ambientalistas, políticos e empresas privadas, interessadas em explorar petróleo e gás na região. A organização não-governamental Greenpeace abraçou a causa e lançou uma campanha mundial pela proteção dos “corais da Amazônia”, exigindo a exclusão de atividades petrolíferas do local.
Assista ao video "Um mergulho nos recifes da Amazônia" clicando aqui.
Nesse contexto, alguns pesquisadores passaram a questionar a existência do GARS, argumentando que não havia luz suficiente debaixo da pluma para sustentar um ecossistema recifal e que os tais recifes, na verdade, eram estruturas pré-históricas, sem vida, já mortas e soterradas pela lama. Parlamentares, militares, empresários e alguns cientistas da região começaram a se referir aos recifes como fake news.
Não faltam evidências, porém, da existência deles, incluindo centenas de horas de vídeo, fotografias, imagens de sonar, amostras físicas de rochas, sedimentos e organismos marinhos de diversos tipos. O trabalho que sacramentou a descoberta, em abril 2016, na revista Science Advances, é assinado por 39 pesquisadores, de 14 instituições; e vários outros estudos já foram publicados sobre o GARS desde então, aprofundando o conhecimento científico sobre ele. Uma descrição mais detalhada foi publicada em abril de 2018, na revista Frontiers in Marine Science.
“É um debate entre opiniões e evidências científicas”, diz o pesquisador Eduardo Siegle, do Instituto Oceanográfico (IO) da USP, coautor de diversos trabalhos sobre os recifes.
“Negar a existência dos recifes é como negar o desmatamento da Amazônia”, compara Francini Filho, que foi o primeiro cientista a mergulhar na região com um minissubmarino (o Deep Worker, do Greenpeace) e ver os recifes do Amazonas com os próprios olhos, em 2017. “Realmente, causa perplexidade ver alguns colegas assumirem essa posição.”
A questão da disponibilidade de luz já foi resolvida por um estudo publicado no ano passado, na revista Continental Shelf Research, mostrando que, mesmo nas regiões mais densas da pluma, há uma incidência mínima de luminosidade sobre o leito marinho, que é suficiente para manter um ecossistema recifal funcionando.