Como o óleo afeta os ecossistemas da costa do Nordeste

Fonte: NEXO

VISTA DE DERRAMAMENTO DE PETRÓLEO NA PRAIA DE PEROBA, EM MARAGOGI, EM ALAGOAS

As manchas de petróleo que se espalham pelo litoral do Nordeste desde o fim de agosto de 2019 já atingem pelo menos 233 pontos, em 88 cidades dos nove estados da região, segundo o balanço mais recente, divulgado pelo governo na terça-feira (22).

Até agora, foram contabilizados 39 animais afetados. Dentre eles, 5 aves e 18 tartarugas marinhas mortas.

Ainda não se sabe a origem do vazamento. Simulações realizadas por pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) indicam que as manchas têm origem em alto mar, a pelo menos 400 km da costa nordestina.

A chegada do petróleo à costa preocupa porque, nessa área, o material tende a permanecer concentrado e demora mais para se biodegradar. Isso pode causar prejuízos por longos períodos aos ecossistemas afetados, como mangues e recifes de corais.

A possibilidade de contaminação por meio do consumo de alimentos com origem nesses locais também é uma preocupação. O petróleo contém compostos que são tóxicos e cancerígenos.

Como é a biodegradação do óleo

Um trabalho publicado em 2015 na revista acadêmica Environmental Science & Technology aborda a forma como a biodegradação do petróleo cru se dá.

A substância, que em determinados pontos do oceano é liberada naturalmente do subterrâneo, serve como fonte de energia e carbono para microrganismos quando é consumida na presença de outros elementos, como nitrogênio e fósforo.

Segundo o artigo, grandes quantidades de petróleo podem ser degradadas relativamente rápido por meio da ação de micróbios quando a substância está diluída em água. Isso ocorre mais rapidamente em ambientes com presença de oxigênio e mais lentamente onde não há oxigênio.

Mas quando o petróleo permanece concentrado, como se observa no litoral brasileiro, ele se mistura a sedimentos como areia e lama e dilui menos. A biodegradação leva muito mais tempo – a pesquisa não estima quanto.

“Do jeito que esse petróleo está chegando no ambiente costeiro, não tem como essa biodegradação acontecer naturalmente com as bactérias no ambiente. Temos registros de derivados de petróleo encontrados em sedimentos que estavam presos havia 40 ou 50 anos, mesmo no meio do mar. A falta de luz e a condição anóxica [sem oxigênio] desfavorece a biodegradação.” Alexander Turra, pesquisador do Instituto Oceanográfico da USP, ao Nexo

Há informações sobre estuários, recifes de corais e manguezais afetados pelo derramamento de petróleo – são alguns dos ambientes em que o material não se biodegrada tão rapidamente. Ao Nexo, Ronaldo Christofoletti, professor do Instituto do Mar da USP, afirma que a limpeza do petróleo acontece mais facilmente nas praias do que nesses pontos.

Um novo desastre atinge os recifes brasileiros

O petróleo foi detectado no município de Maragogi, local turístico que fica em uma área de proteção ambiental chamada de Costa dos Corais, entre Pernambuco e Alagoas, em 16 de outubro. É a maior unidade de conservação federal costeira no Brasil. Fica nesta região a segunda maior formação de corais do mundo, de 150 km, atrás apenas da Grande Barreira de Corais, na Austrália.

Ainda não se sabe a extensão total dos corais atingidos. Segundo o jornal O Globo, até 19 de outubro, havia outros corais afetados em Pontal do Peba, Praia do Forte e Ilha de Itaparica, na Bahia.

O que são corais

Corais são animais marinhos invertebrados que têm a capacidade de formar por baixo de seus tecidos um esqueleto de calcário, o mesmo material dos ossos humanos. Esse esqueleto é o que dá a alguns corais uma aparência similar à de pedras.

Quando corais morrem, outros podem crescer por cima deles. Os recifes de corais são uma combinação de sedimentos de animais mortos e de corais vivos. São ambientes ricos em biodiversidade, que abrigam muitas espécies de peixes, moluscos e crustáceos. Há também grande presença de algas, que vivem dentro de suas estruturas e são necessárias para a sobrevivência dos corais.

Essa sintonia só funciona bem sob condições específicas, como temperatura, pureza ou nível de acidez da água. Entre maio e junho de 2019, águas da costa do Nordeste brasileiro se aqueceram, levando a um fenômeno chamado de “embranquecimento”, que levou ao desprendimento de algas das estruturas de muitos dos corais.

Com esse processo, os corais perdem sua cor e sua principal fonte de alimentos, o que os deixa mais suscetíveis a doenças e com frequência antecede sua morte.

A recuperação de recifes de corais embranquecidos pode levar décadas. Na costa nordestina, o petróleo – material tóxico para os corais – está atingindo esses animais pouco depois de um último grande evento que os deixou fragilizados.

A retirada do petróleo dos recifes de corais é extremamente difícil. O pesquisador Gustavo Duarte do Laboratório de Ecologia Microbiana e Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro avalia que 2019 é o pior ano da história para os corais brasileiros.

“Nunca houve um ano tão terrível para os corais do Brasil quanto este. Tivemos um branqueamento recorde de corais em maio e junho, com mortalidade de até 90%, no caso de uma espécie importante. Agora, o óleo atinge os corais nordestinos em um momento em que eles começavam a se recuperar” Gustavo Duarte Pesquisador do LEMM, da UFRJ, ao jornal O Globo

Os riscos para animais que vivem em estuários

Estuários são ambientes aquáticos de transição entre rio e mar. É nesses locais que a água do rio e a água do mar se encontram, formando um ecossistema diverso.

Muitos tipos de peixes usam os estuários como ambientes para desovar. Outras espécies marinhas os utilizam como criadouros de larvas. São locais de migração para animais como a lampreia marinha, que se desloca dos mares para os rios, ou de enguias, que vão dos rios para os mares. A toxicidade do petróleo pode afetar o desenvolvimento de seres vivos no local.

Em 2010, uma explosão na sonda Deepwater Horizon, no Golfo do México, levou ao maior derramamento de petróleo da história dos Estados Unidos. Uma pesquisa publicada em dezembro de 2018 indicou que pelo menos duas espécies de peixes tiveram o desenvolvimento da visão prejudicado em decorrência da contaminação com o petróleo.

Alexander Turra, pesquisador do Instituto Oceanográfico da USP, afirma que o contato prolongado com o óleo leva a problemas sistêmicos em larvas, microalgas e nos seres humanos. “Os animais podem perder a  capacidade de locomoção, por exemplo. Mesmo não matando, o petróleo acaba afetando a saúde desses organismos e, consequentemente, a dos seres humanos”, disse ao Nexo.

Qual o efeito do óleo sobre manguezais

Estuários que ficam em climas tropicais favorecem a formação de manguezais em seu interior. Este tipo de formação também ocorre em baías, lagoas costeiras e deltas. Em geral, são ambientes com mistura de água doce e salgada, pobres em oxigênio, e que se assentam sobre solos movediços. Neles se proliferam árvores adaptadas, que evitam a erosão do solo.

O Código Florestal de 2012 estabelece que todos os manguezais brasileiros têm o status de Áreas de Proteção Permanentes. O terreno é ideal para o desenvolvimento da fase juvenil de várias espécies de, principalmente, crustáceos e peixes, que servem de fonte de renda para populações das regiões costeiras.

O petróleo atingiu praias e manguezais no Cabo de Santo Agostinho, no litoral Sul de Pernambuco, em 20 de outubro. Ainda não se sabe o impacto exato do problema.

Segundo uma reportagem da BBC Brasil, no norte da Bahia pelo menos duas áreas de extensos manguezais, nas barras dos rios Itapicuru e Ipojuca, foram atingidas pelo petróleo. O óleo também chegou à Baía de Todos os Santos, a maior do país, que é margeada por muitos manguezais.

O biólogo geneticista Marcio Alves-Ferreira, do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, estuda o impacto de derramamentos de petróleo sobre mangues.

Em entrevista ao site da Faperj (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) em novembro de 2018, ele afirma que quando mangues brancos (uma espécie de árvore presente em manguezais) são expostos ao petróleo, suas raízes tendem a ficar impermeáveis.

Dessa forma, os mangues brancos ficam impossibilitados de realizar trocas gasosas e passam a ter dificuldade de produzir as enzimas e proteínas necessárias para que se mantenham em boas condições de saúde.

Além disso, o petróleo pode contaminar animais que se desenvolvem em manguezais.

A oceanógrafa da Universidade Federal da Bahia, Carine Santana Silva, afirmou à BBC Brasil que pode haver riscos nos próximos anos para o consumo de animais encontrados em manguezais. “Esses ecossistemas são zonas de reprodução de muitas espécies e abrigam outras tantas que vivem enterradas no sedimento, como ostras, sururu e chumbinho. Justamente onde a contaminação vai impregnar”, disse.

“A Organização Mundial de Saúde não fala em meio ambiente e saúde humana, ela fala em saúde única. Isso porque a saúde dos ambientes é a saúde das pessoas. É um erro pensar em saúde humana e o resto” Ronaldo Christofoletti É professor do Instituto do Mar, da Universidade Federal de São Paulo

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