Estudo de sedimentos auxilia gestão de recursos em desembocaduras de rios

Modelo numérico desenvolvido na USP permitiu entender a dinâmica das partículas presentes em estuário, ambiente de transição entre rio e mar

Originalmente publicado em: Agência Universitária de Notícias. Ano 48. nº 43. 02/06/2015.

rio araranguaCom a proposta de compreender a dinâmica do material floculado (agregação de sedimentos, matéria orgânica, água e gases) em suspensão no estuário do rio Araranguá, pesquisa desenvolvida no Instituto Oceanográfico  da USP (IOUSP) analisou o transporte, deposição e exportação dessas partículas. O trabalho, foco da tese de doutorado de Mariana Couceiro, é a continuação da dissertação de mestrado da pesquisadora.

“Conhecendo a dinâmica do material floculado no estuário é possível saber para onde estão sendo transportados os contaminantes e poluentes, visto que estes se encontram adsorvidos aos sedimentos finos”, explica Couceiro. Desse modo, os centros de deposição desse material, identificados pelos resultados de simulações análogas às realizadas no estudo, podem informar quais são as regiões do estuário suscetíveis a sofrerem impactos ambientais. Esses centros podem indicar também os possíveis pontos de assoreamento, devido à deposição do material floculado.

 

Caracterizando o ambiente

Estuários são ambientes aquáticos litorâneos de circulação parcialmente restrita, porém ainda ligados ao oceano aberto – desse modo, são as principais vias de transferência de água, sedimento, nutrientes e poluentes dos continentes para os oceanos.

“A utilização do estuário como corpo receptor de efluentes naturais, industriais e de substâncias patogênicas e a falta de gerenciamento colocam em risco o desenvolvimento sustentável desses ambientes”, disse a pesquisadora. Além disso, são considerados ambientes de extrema importância na produtividade primária, devido às altas concentrações de nutrientes, além de constituírem o habitat natural de aves, mamíferos e peixes.

O estuário do rio Araranguá está localizado no extremo sul do litoral do estado de Santa Catarina, aproximadamente 200 km ao sul da cidade de Florianópolis. Os dois principais rios formadores da bacia do Araranguá constituem as mesobacias dos rios Itoupava e Mãe Luzia.

O sistema de drenagem do rio Itoupava apresenta uma área de grande importância no cultivo de arroz. Na época do preparo das quadras de arroz, ocorre considerável aumento da disponibilidade de sedimentos para os cursos de água. Além de comprometer a qualidade do sistema hídrico, a rizicultura gera conflitos no que concerne a utilização da água, pois necessita de grandes volumes para o cultivo.

A área de drenagem do rio Mãe Luzia, por sua vez, é caracterizada pela atividade de exploração e tratamento do carvão, tornando a águaácida (pH entre 1,5 e 3) de forma que impede ou limita sua a utilização, devido à presença de contaminantes. Quando as águas do rio Itoupava, com grande concentração de material em suspensão, encontram as águas ácidas do rio Mãe Luzia, o processo de floculação no estuário do rio Araranguá é intensificado, conforme constatara Couceiro em seus estudos anteriores.

 

Metodologia e resultados

A pesquisa foi realizada a partir de dois modelos numéricos: um hidrodinâmico (Delft3D) e um Lagrangiano da trajetória da partícula. Este último foi desenvolvido pela própria pesquisadora, com base nos resultados do modelo hidrodinâmico e parte dos resultados obtidos em experimentos em laboratório, que fizeram parte de sua pesquisa de mestrado.

As simulações foram configuradas para avaliar a dinâmica do material floculado em condições de pH baixo (em torno de 3), condição que representa as características físico-químicas da água no cenário atual, mediante atividade carvoeira, e com pH neutro (pH=7), condição equivalente a essas mesmas características sem a atividade carvoeira. “O objetivo das simulações com pH neutro é o de comparar os resultados para ter uma percepção do que mudou no estuário com e sem o efeito da drenagem ácida”, explica Couceiro.

A importância de simulações hidrodinâmicas como as realizadas na pesquisa consiste no fato de seus resultados poderem ser utilizados na gestão dos recursos hídricos da bacia estudada. Além disso, os resultados de experimentos com partículas podem auxiliar ações de manejo do material floculado depositado no estuário, por exemplo.

Ao final do estudo, as simulações mostraram que as partículas permanecem menos tempo em suspensão – ou seja, decantam mais rápido – em condições físico-químicas da água com pH baixo. Ao mesmo tempo, na ausência de impacto da atividade carvoeira as partículas permanecem o dobro tempo em suspensão, o que aumenta a probabilidade de exportação para o oceano, em condições de elevada descarga fluvial (grande volume de água passando por um canal fluvial por unidade de tempo), e o transporte estuário acima, em condições de baixa descarga fluvial.

Finalmente, concluiu-se o pH da água não altera o balanço sedimentar no estuário, pois não é o fator determinante nos processos de retenção e exportação do material floculado. Em relação ao processo de deposição das partículas, os resultados mostram que o pH determina o local onde as partículas estão sendo depositadas ao longo do estuário.

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