Vórtices oceânicos vindos da África podem provocar alterações e afetar a margem continental brasileira
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- Publicado: Sexta, 08 Agosto 2025
Fonte: INPO
Pesquisadores brasileiros estão rastreando um fenômeno oceânico intrigante e de alto impacto: vórtices gigantes que se originam na costa africana, atravessam o Atlântico Sul e interagem com a Corrente do Brasil. Eles transportam água mais quente e podem alterar padrões atmosféricos. Adicionalmente, eventos de correntes extremas estão associadas a estes interagindo com a Corrente do Brasil com possíveis consequências para a estabilidade de plataformas de petróleo no Sudeste do país. Ainda não se sabe ao certo como esses escoamentos intensos afetam essas estruturas, o que torna o monitoramento essencial.
O alerta vem do oceanógrafo Ilson Silveira, pesquisador da Rede de Cientistas do INPO e professor Titular em Oceanografia Física no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP). Silveira é referência em circulação oceânica, com mais de 40 anos de experiência. Suas pesquisas estão focadas ultimamente na Bacia de Santos, onde estão localizadas importantes reservas do pré-sal. Seus estudos indicam que essas estruturas rotativas, relacionadas aos Vórtices das Agulhas, podem alterar profundamente a dinâmica local.
“Esses vórtices, alguns formados do outro lado do oceano, interagem com os sistemas locais como a Corrente do Brasil, podendo gerar instabilidades, além de transportar nutrientes e organismos. É preciso levá-los em consideração na construção na construção de estruturas offshore de engenharia oceânica”, alerta Silveira.
Um oceano em movimento — e ainda desconhecido
A circulação oceânica próxima à costa brasileira é muito mais complexa do que se imaginava até poucos anos atrás. Graças a cruzeiros científicos, imagens de satélite e modelos numéricos de alta resolução, a equipe de Silveira já mapeou novas correntes e vórtices ao longo de toda a costa, de Oiapoque a Chuí. Entre as descobertas estão:
- a Subcorrente Norte do Brasil
- a redefinição da Corrente Sul-Equatorial como uma série de pequenos jatos
- os Vórtices de Barreirinhas e o Vórtice Potiguar
- e vórtices quase-estacionários da Corrente do Brasil ao largo da Bahia
“Essas estruturas causam estresse em plataformas, influenciam correntes de fundo e afetam a exportação de organismos da região costeira para a oceânica. O oceano aberto tem pouca biomassa, mas é a diversidade e a troca com o oceano costeiro que sustentam parte da vida marinha ali”, afirma o cientista.
Impactos que cruzam fronteiras
De acordo com Silveira, cerca de cinco vórtices das Agulhas por ano atingem a margem sudeste brasileira. Essas feições giratórias, com centenas de quilômetros de diâmetro, trazem energia, calor e até nutrientes de outras partes do Atlântico, alterando o comportamento hidrodinâmico da Corrente do Brasil — uma corrente essencial que bordeja a quebra da plataforma continental e influencia o clima, a pesca e a segurança marítima.
Ciência e indústria no mesmo barco
As pesquisas lideradas por Ilson Silveira têm relevância na engenharia oceânica, na previsão de riscos para plataformas offshore e na salvatagem ao longo das rotas marítimas. A cooperação com a Petrobras e centros como o CENPES mostra o potencial de integração entre ciência básica e indústria.
O cientista destaca ainda a importância de combinar dados de cruzeiros oceanográficos, perfiladores ARGO, altimetria de satélite e modelagem numérica, para entender com mais precisão os efeitos desses vórtices — algo essencial para compreender e tentar prevenir os efeitos e riscos em tempos de mudança climática.
“A circulação oceânica ao largo da costa brasileira ainda é mal compreendida. A gente sequer tinha um status quo da circulação”, alerta Silveira. “Agora estamos descobrindo o que nunca foi observado antes.”
A importância da ciência oceânica no Brasil
O trabalho de Ilson Silveira também contribui para projetos como o “The Wall”, liderado pelo Prof. Angel Perez (UNIVALI) e que pretende estudar a Corrente Sul-Equatorial na Cadeia Vitória-Trindade e sua interação com a topografia submarina. Além disso, Silveira tem participado de workshops promovidos pelo INPO e colabora com instituições como FURG, UFRJ, UERJ, IEAPM e universidades internacionais.
Para ele, o Brasil precisa investir mais em ciência oceânica. E aumentar a rede observacional. Para Silveira, do ponto científico, seria importante investir em computação de alto desempenho para permitir modelos numéricos de mais alta resolução. Ele afirma que há fenômenos intensos e relevantes que precisam de resolução mais alta para serem corretamente modelados.
“O oceano não respeita fronteiras. O que se forma na África pode impactar o nosso litoral meses depois. Precisamos conhecer melhor o que está embaixo da nossa superfície se quisermos proteger o que está acima dela.”, conclui.


