Pesquisa evidencia impactos do derretimento de geleiras na temperatura global

Originalmente publicado em: Agência Universitária de Notícias. Ano 48. nº19. 13/04/2015

Jakobshavn Glacier 560Água de degelo de mais de 20 mil anos atrás pode apontar mudanças climáticas futuras

O derretimento de geleiras decorrente do aumento da temperatura do ar pode levar à formação de um ciclo de aquecimento do planeta, indica pesquisa do Instituto Oceanográfico (IO) da Universidade de São Paulo (USP). Em momento de preocupação com mudanças climáticas que ameaçam a vida terrestre, a doutoranda Juliana Marini Marson analisou os impactos da água de degelo na circulação oceânica desde o Último Máximo Glacial (período no qual, há 21 mil anos, a América do Norte e parte da Europa estavam cobertas por grandes mantos de gelo), recorrendo ao passado para potencialmente explicar presente e futuro.

“Hoje, nós ouvimos falar o tempo todo sobre mudanças climáticas. O planeta está aquecendo e muitas geleiras e mantos de gelo estão derretendo de forma acelerada. Como tudo no sistema climático está interligado, uma das questões que surgem deste cenário é: como a água doce que resulta do derretimento do gelo continental pode afetar o clima?”, questiona Marson. Desde o Último Máximo Glacial até hoje, toda a água proveniente de derretimentos causou um aumento de aproximadamente 120 metros no nível do mar, o que suscitou um cenário propício para o estudo de Marson.

 

A Terra como uma grande panela

Os oceanos estão em constante movimento, sendo a diferença de densidade entre massas de água uma importante forçante desses movimentos. A pesquisadora explica: “É como quando você ferve mel em uma panela: onde a panela faz contato com a chama, o mel se aquece, torna-se menos denso e sobe para a superfície. Conforme ele sai do meio da panela e vai para as bordas, o mel perde calor, torna-se mais denso e afunda. No oceano, além da temperatura, a salinidade também é importante para a densidade. Assim, águas quentes e doces são ‘mais leves’ que águas frias e salgadas, por isso a primeira tende a ficar por cima da última”.

Tal qual o mel na panela, o oceano também revolve num ciclo: as águas quentes tropicais são transportadas para altas latitudes (regiões mais próximas dos pólos), onde perdem calor e recebem sal, tornam-se mais densas e, assim, afundam. Com esse processo, são formadas as massas de água profundas, que se originam em pontos do Atlântico Norte (próximo à Groenlândia) e do entorno Antártico (especialmente no setor Atlântico) e são exportadas para todos os outros oceanos. Essa circulação é conhecida como Célula de Revolvimento Meridional e auxilia o processo de redistribuição de calor pelo planeta.

Com isso, tem-se a importância de estudar o impacto da água de degelo na circulação oceânica no cenário atual: “Já que muitas geleiras próximas a esses pontos de formação de águas profundas estão perdendo massa rapidamente, a água de degelo vai para o oceano e torna a superfície mais doce. Isso diminui a densidade das águas nessas regiões-chave, o que pode afetar a quantidade de água profunda formada. Fechando o ciclo, se pouca água densa é formada nas altas latitudes, a Circulação de Revolvimento Meridional enfraquece e consequentemente afeta a distribuição de calor pela Terra”.

 

Metodologia e resultados

A pesquisa consistiu na análise de resultados de um modelo numérico, análogo àqueles utilizados para previsão do tempo, que simulou a variação do clima da Terra nos últimos 21 mil anos. O modelo, gerado pelo cientista Feng He na Universidade de Wisconsin-Madison, demonstrou que a introdução de água de degelo no Atlântico Norte realmente enfraquece a Célula de Revolvimento Meridional (CRM), fenômeno associado a períodos frios no Hemisfério Norte. Contrariamente, quando a entrada de água doce era abruptamente interrompida, a CRM se intensificava e períodos de aquecimento eram observados.

Dessa forma, concluiu-se que o derretimento de gelo continental provocado pelo aumento de temperatura do ar (e também do oceano em contato com as margens das geleiras) leva a mudanças na circulação oceânica e na distribuição das massas de água do Atlântico, o que eventualmente pode refletir na própria temperatura do ar. Forma-se, assim, um ciclo.

Marson ressalta que tais relações de causa e efeito no sistema climático são muito complexas e estão longe de ser dadas como definitivas. “Muitas relações ainda não são claras, e o que podemos fazer é inferir estas relações da maneira mais lógica de acordo com o que os dados mostram”.

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