XXXIII. Diversidade microbiana nos vales secos da Antártida

A Antártida abriga algumas das condições mais extremas da Terra, como baixas temperaturas, vento intenso, regiões com baixa umidade e isolamento geográfico. A maior parte do continente está coberta de gelo, contudo, existe um deserto hiperárido denominado Sistema dos Vales Secos de McMurdo, ao sul da Terra de Vitória, que constitui a maior área livre de gelo do continente e o deserto mais frio e seco do planeta (Figura 1). As teias alimentares nessas áreas são relativamente simples, sendo que a maior parte da energia e da biomassa é canalizada pela via trófica de detritos, dominada pela atividade microbiana. Assim, nesses ecossistemas terrestres livres de gelo na Antártida, os microrganismos do solo têm uma importância central na ciclagem de nutrientes e em outros processos.

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Figura 1. Wright Valley, Antártida. Fonte: Martins et al., 2017

Os solos normalmente contêm baixas concentrações de matéria orgânica, altos níveis de sal e pH, assim como conteúdo de água abaixo de 2%. Esses solos sustentam uma estrutura trófica biológica muito simples que é dominada por microrganismos e é caracterizada pela falta de plantas vasculares e presença limitada de invertebrados. Os primeiros estudos microbianos, baseados em técnicas de cultivo, sugeriram que a diversidade e abundância bacteriana do solo nessas áreas desérticas frias eram extremamente baixas. Contudo, novas técnicas de base molecular independentes de cultivo revelaram um nível de diversidade microbiana maior do que o esperado, especialmente considerando a natureza extrema do sistema.

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Figura 2. Taylor Valley, Antártida. Fonte: National Science Foundation, 2015.

Esses solos minerais são considerados extremamente secos, no entanto, as temperaturas mais amenas do verão e o aumento da radiação solar promovem o derretimento das superfícies das geleiras, resultando na formação de pequenas correntes de água que fluem periodicamente por 4 a 12 semanas. Os solos próximos aos fluxos glaciais de derretimento, definidos como "zona úmida", e os solos de fossos úmidos ao redor dos sistemas de lagos podem se estender até vários metros de cada lado da fonte de água e constituir focos de desenvolvimento para vida microbiana. Essas áreas são rapidamente transformadas em zonas importantes para os ciclos biogeoquímicos. As comunidades biológicas microbianas sobrevivem aos meses de inverno em estado desidratado e são anualmente reativadas nessas zonas úmidas, por hidratação pela água do degelo no verão. Como resultado, essas comunidades podem formar grandes concentrações de biomassa, mesmo sob condições ambientais extremas.

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Figura 3. Garwood Valley, Antártida. Fonte: United States Antarctic Program, 2018.

 

 

Diversidade microbiana e ciclagem de nutrientes

Estudos recentes, que visam determinar as relações evolutivas entre as espécies de microrganismos, mostraram que a biomassa pode ser relativamente grande e que a diversidade microbiana desses ambientes não é homogênea. Estudos sobre a diversidade de microrganismos nas amostras de solo de uma série de Vales Secos Antárticos com diferenças geográficas, mostraram agrupamentos regionais muito distintos. As análises demostraram que pelo menos 14 filos microbianos diferentes estão presentes, incluindo heterotróficos psicrofílicos (organismos extremófilos capazes de viver e de se reproduzir a temperaturas baixas) e psicrotolerantes (organismos que crescem normalmente em temperaturas moderadas, mas que conseguem crescer também em temperaturas baixas) dos grupos Actinobacteria, Acidobacteria, Proteobacteria e Bacteroidetes, assim como numerosos gêneros de cianobactérias. Os solos dos Vales Secos têm mostrado níveis relativamente baixos de arqueias e microrganismos eucariotos. As bactérias são possivelmente o maior componente biótico. O conhecimento do viroma (conjunto de vírus de um ambiente) é limitado, com informações fragmentadas e muitas vezes provenientes de observação casual; tendências como a presença de vírus com dois genomas, virofagos e uma grande proporção fagos/bactérias podem ser uma novidade dos ambientes extremos ou um artefato devido ao pouco número de estudos.

Os solos da Antártida demonstraram possuir potencial genético tanto para a fixação autotrófica de carbono quanto para a fixação de nitrogênio. Um estudo focado na respiração do solo no Vale Garwood sugere que detritos lacustres, que emanam da margem do lago, podem ser um importante condutor da respiração do solo nos vales.

 

Para saber mais:

BABALOLA, O. O. et al. Phylogenetic analysis of actinobacterial populations associated with Antarctic Dry Valley mineral soils. Environmental microbiology, v. 11, n. 3, p. 566-576, 2009.

COWAN, D. A. et al. Microbial ecology and biogeochemistry of continental Antarctic soils. Frontiers in Microbiology, v. 5, p. 154, 2014.

STOMEO, F. et al. Abiotic factors influence microbial diversity in permanently cold soil horizons of a maritime-associated Antarctic Dry Valley. FEMS microbiology ecology, v. 82, n. 2, p. 326-340, 2012.

MARTINS, Z. et al. Earth as a tool for astrobiology—a European perspective. Space Science Reviews, v. 209, n. 1-4, p. 43-81, 2017.

YERGEAU, E. et al. Shifts in soil microorganisms in response to warming are consistent across a range of Antarctic environments. The ISME journal, v. 6, n. 3, p. 692-702, 2012.

Autoras:

Ana Carolina de Araújo Butarelli

Diana Carolina Duque Castano

Rebeca Graciela Matheus Lizárraga

Coordenadores:

Vicente Gomes e Amanda Gonçalves Bendia – IOUSP

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