XXXVIII. Fitoplâncton no gelo antártico

XXXVIII. Fitoplâncton no gelo antártico

Quando imaginamos a Antártida a primeira imagem que se forma em nossa mente é a de um deserto branco e inóspito, coberto de neve e gelo. Entretanto, apesar de frio, o Oceano Antártico é uma das regiões mais produtivas do globo, pois lá prolifera uma grande quantidade de organismos fotossintetizantes. Esse grupo é chamado de fitoplâncton e é formado por organismos aquáticos microscópicos (na maioria dos casos, sua estrutura é formada por apenas uma célula) de diversas espécies, mas que têm em comum a capacidade de realizar fotossíntese, um processo metabólico que ocorre dentro de suas células onde a energia da luz solar é usada para produzir matéria orgânica a partir do CO2, H2O e nutrientes.

Como produzem seu próprio alimento, os organismos que compõem o fitoplâncton não precisam se alimentar de outros organismos, e por isso são denominados autótrofos ou produtores primários. Organismos que não são capazes de produzir o próprio alimento são chamados de consumidores, pois se alimentam de produtores primários e/ou de outros consumidores. Em quase todos os ecossistemas marinhos o principal grupo de produtores é o fitoplâncton e o mar antártico não é uma exceção. Muito longe de ser um ambiente hostil para os organismos marinhos, suas águas são ricas em nutrientes e abrigam uma grande quantidade de fitoplâncton que por sua vez servem de alimento para outros organismos e sustentam, direta ou indiretamente, todos os outros consumidores que lá vivem.

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Imagem 1: Fotos de espécies fitoplanctônicas feitas com auxílio de um microscópio óptico. A barra branca representa o comprimento de 0,01 milímetro. Estes organismos são: (a) Coscinodiscus bouvet, pertencente ao grupo das diatomáceas (b) uma diatomácea não identificada a direita, junto a diversas criptófitas (c) dinoflagelados, (d) outra espécie de diatomácea, (e) Thalassiosira sp., também do grupo das diatomáceas. Cusick et al, 2020 (modificada)

O fitoplâncton vive sob forte influência do ambiente, uma vez que são microscópicos e, portanto, não têm capacidade de nadar contra as correntes marinhas (além de minúsculos, muitas espécies não possuem capacidade de se movimentar), vivendo à deriva no mar. A quantidade de nutrientes presentes na água e a quantidade de luz são fatores limitantes para sobreviver, crescer e se reproduzir. Durante o inverno antártico as condições são pouco favoráveis para o crescimento do fitoplâncton, principalmente devido à baixa luminosidade para a fotossíntese e devido à cobertura da coluna d´água pelo gelo.

A formação do gelo marinho ocorre quando a água do mar perde calor para a atmosfera. O gelo começa a se formar primeiro como finas placas na superfície que posteriormente começam a se expandir verticalmente, formando uma grossa camada. Quando o gelo se expande, o fitoplâncton que estava na água fica preso entre os cristais e é liberado apenas no verão, quando o gelo derrete.

Um grupo importante que compõe o fitoplâncton antártico é constituído pelas diatomáceas, organismos unicelulares que possuem uma parede celular feita de sílica (veja exemplos de espécies de diatomáceas na imagem 1). Outro importante grupo é o dos dinoflagelados, que possuem dois flagelos que possibilitam sua movimentação (Imagem 1c), além de espécies de haptófitas e diversos outros grupos menos estudados.

Durante o tempo que está preso no gelo marinho, o fitoplâncton tem uma série de desafios para sobreviver. O primeiro deles é manter seu metabolismo funcionando o suficiente para produzir e para sobreviver ao inverno. Como citado anteriormente, a luz é necessária para a produção primária realizada por esses organismos, porém esta não passa tão facilmente pelo gelo quanto pela água líquida, de forma que estes organismos estão adaptados para conseguir fazer fotossíntese mesmo com pouca luz.

Dentro do gelo os nutrientes não estão livres e, a não ser que o fitoplâncton esteja diretamente em contato com a água do mar, seu suprimento de nutrientes é limitado. A variação de salinidade da água nos canais do gelo onde esses organismos vivem também pode causar problemas a eles, já que o excesso de sal pode causar danos às suas estruturas internas. O fitoplâncton antártico possui também mecanismos para impedir a formação de cristais de gelo dentro da sua célula, e viver no ambiente congelado sem congelar também.

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Imagem 2: Fitoplâncton na parte inferior do gelo marinho. Foto por Chris Fritsen.

Estes desafios que o fitoplâncton enfrenta durante o inverno são superáveis, devido suas adaptações para sobreviver ao ambiente do gelo. O fitoplâncton no gelo produz proteínas que impedem que seu citoplasma congele e também é capaz de alterar parte de seu metabolismo durante este período para se ajustar às condições pouco favoráveis. A quantidade de indivíduos que compõe o fitoplâncton pode até aumentar dentro do gelo, fenômeno chamado de blooming. O fitoplâncton preso no gelo é uma importante fonte de alimento para muitos consumidores durante o inverno.

Os organismos do fitoplâncton antártico, contudo, podem estar diante de um desafio que não sabemos se é superável. As alterações causadas pelas mudanças climáticas estão modificando os padrões e épocas da formação do gelo marinho na Antártida. A diminuição gradual da cobertura de gelo marinho causará alterações profundas sobre o ciclo dos elementos, o que afeta a comunidade do fitoplâncton e por consequência, todos os organismos da Antártida, já que os demais organismos dependem dos produtores primários para viver.

Referências

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Autora:

Gabriela C. F. Roque

Coordenadores:

Vicente Gomes e Amanda Gonçalves Bendia – IOUSP

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