XX. Biomonitoramento na Baía do Almirantado, Ilha Rei George, Antártida.

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A Antártida é uma região bastante preservada, mas nela há aproximadamente 79 centros de pesquisa em áreas costeiras. Mesmo que de forma localizada, as atividades humanas contaminam as águas marinhas adjacentes, principalmente devido ao despejo de esgoto e também em consequência do uso de derivados do petróleo utilizados como combustíveis (MARTINS et al., 2012). Da mesma forma do que qualquer outra, apesar dos cuidados que são rotineiramente tomados, a Estação Antártica Brasileira “Comandante Ferraz” (EACF), acaba interferindo no ambiente.

A EACF foi construída na Enseada Martel, na Baía do Almirantado, Ilha Rei George. Esta é o maior embaiamento da ilha e mesmo de todo o arquipélago das Shetland do Sul. A preocupação com os efeitos da contaminação ambiental gerou a iniciativa de estudar métodos para avaliar, evitar e solucionar os possíveis problemas, em um grande esforço científico do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Antártico de Pesquisas Ambientais (INCT-APA), criado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e apoiado pelo CNPq e FAPERJ.

O trabalho que vem sendo executado pelo nosso grupo de pesquisa insere-se nesse estudo abrangente. Entre os métodos que estamos aplicando está o ensaio cometa, para avaliar possíveis danos causados ao DNA em organismos de águas costeiras rasas, expostos a algum fator genotóxico, seja ele natural ou de origem antrópica. Essa técnica permite detectar danos causados ao DNA de cada célula devido à exposição a contaminantes, além de ser uma metodologia econômica que produz bons resultados.

Basicamente, ela consiste em uma eletroforese que separa o DNA intacto daquele fragmentado por alguma substância ou algum tipo de estressor. Ao migrar, devido à carga elétrica da eletroforese, o DNA fragmentado forma uma cauda dando ao núcleo um aspecto de cometa. O aspecto dos cometas pode ser avaliado visualmente, segundo um critério pré-estabelecido pelo observador (Figura 1), ou as proporções entre o nucleóide e a cauda podem ser medidas, e suas intensidades quantificadas, com programas de análise de imagens, permitindo que se relacione a quantidade de fragmentos com o grau e tipo de contaminação (SINGH et al., 1988).

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Figura 1. Padrão estabelecido para a classificação dos danos ao DNA de indivíduos de Gondogeneia antarctica, sendo Classe 0: não danificado; Classe 1: pouco danificado; Classe 2: danificado; Classe 3: muito danificado; Classe 4: severamente danificado.

Os organismos escolhidos, anfípodes da espécie Gondogeneia antarctica, são os animais mais abundantes nas áreas costeiras da Baía do Almirantado, no verão (Figura 2). Eles também são extremamente importantes do ponto de vista ecológico, pois se alimentam principalmente de material algal particulado do sedimento, reciclando-o, e servem de alimento para muitos outros animais, incluindo outros crustáceos e peixes. Além disso, em diversos trabalhos realizados com essa espécie verificamos que ela é resistente, mas responde bastante eficientemente às variações do ambiente.

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Figura 2. Anfípodes Gondogeneia antarctica.

Os anfípodes estudados foram coletados em quatro regiões diferentes, duas consideradas como controle, longe da EACF (Punta Plaza, PPL e Yellow Point, YP) e duas em locais próximos a fontes de contaminação, isto é, em frente à região de despejo de esgoto (ETE) e em frente aos tanques de armazenamento de combustível (COM) (Figura 3).

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Figura 3. Mapa da Baía do Almirantado indicando os locais de coleta de Gondogeneia antarctica para experimentos de monitoramento ambiental. YP: Yellow Point – área de controle experimental; COM: área de armazenamento de combustíveis; ETE: área de descarga de efluentes da estação de tratamento de esgoto da EACF; PPL: Punta Plaza - de controle experimental.

Como exemplo, foi possível observar pela análise visual que houve aumento de índice de danos ao DNA (ID) em indivíduos coletados em locais próximos a uma possível fonte de contaminação quando comparados aos indivíduos de regiões consideradas como controle (Figura 4). Além disso, como foram feitas várias coletas ao longo do tempo, observou-se uma tendência de aumento de dano no último experimento (MIV) em relação aos demais, principalmente nos pontos próximos à descarga de esgoto e armazenamento de combustível (Figura 4).

Os resultados indicam claramente que os organismos já são capazes de sentir os efeitos da assim considerada pequena contaminação dessas áreas. Notem bem que essas quebras do DNA não significam que o animal está em mal estado. Elas ocorrem naturalmente e, muitas vezes, podem ser reparadas por mecanismos celulares. Pelo que sabemos a contaminação detectada por métodos químicos não seria suficiente para causar danos irreversíveis aos organismos. Para saber o grau de irreversibilidade desses efeitos são necessários outros tipos de teste que discutiremos em outras ocasiões.

O fato de o último experimento ter indicado maior quantidade de quebras também pode indicar que os efeitos se acentuaram com o passar do tempo, provavelmente porque as atividades de verão da estação, que são mais intensas, estavam há mais tempo em andamento, gerando mais resíduos. De qualquer forma, os resultados desses monitoramentos servem para orientar a tomada de medidas necessárias para que a contaminação seja ecologicamente imperceptível.  Esse é o objetivo final dos nossos esforços conjuntos. O ensaio cometa aplicado a este caso demonstrou ser uma boa técnica para identificar problemas ambientais em estágios iniciais, e poder resolvê-los antes que se agravem.

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Figura 4. Médias dos Índices de Dano (ID) obtidos por análise visual do material de três experimentos (MII, MIII e MIV) com indivíduos de Gondogeneia antarctica. As barras das médias dos IDs dos indivíduos de cada experimento estão agrupadas por experimento. Cada barra de erro representa o desvio padrão das médias dos 4 indivíduos.

 

Leituras sugeridas
Sobre o INCT-APA: http://www.biologia.ufrj.br/inct-antartico/

Martins, C. C.; Aguiar, S. N.; Bícego, M. C.; Montone, R. C. Sewage organic markers in surface sediments around the Brazilian Antarctic station: Results from the 2009/10 austral summer and historical tendencies. Mar. Pollut. Bull. v. 64, n. 12, p. 2867-2870, 2012.

Singh, N. P.; Mccoy, M. T.; Tice, R. R.; Schneider, E. L. A simple technique for quantitation of low level of DNA damage in individual cells. Exp. Cell Res. v. 175, p. 184-191, 1988.

 

Autores: Arthur José da Silva Rocha; Marina Tenório Botelho; Maria José de A. C. R. Passos; Prof. Dr. Phan Van Ngan.
Coordenador: Prof. Dr. Vicente Gomes.

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