Future Ocean: Os tesouros do mar

Jornal da USP. Online. Ano XXIX. Nº 1034.
Por: Silvana Salles. Fotos: Francisco Emolo/Future Ocean

Na semana passada, ativistas, empresários, diplomatas e líderes de todo o mundo se reuniram na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, para anunciar novas iniciativas de mitigação e combate aos efeitos da mudança climática no planeta. Um dos principais destaques entre os anúncios feitos durante a Cúpula do Clima da Organização das Nações Unidas neste ano foi um pacto costurado entre multinacionais, governos, sociedade civil e povos indígenas para reduzir pela metade o desmatamento das florestas até 2020. Espera-se que a iniciativa viabilize a remoção de até 8,8 bilhões de toneladas de dióxido de carbono da atmosfera por ano. Segundo informação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a estimativa equivale a suprimir as emissões de carbono geradas por 1 bilhão de carros que atualmente circulam pelas ruas e estradas do mundo.

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A importância das florestas, especialmente as tropicais, para o controle dos gases de efeito-estufa é tão conhecido que não causa estranhamento a ninguém quando a Amazônia é chamada de “pulmão do planeta”. Mas, por vezes, esquece-se da importância dos mares para a troca de dióxido de carbono por oxigênio, que é travada entre os micro-organismos marinhos e a atmosfera. O fitoplâncton produz mais da metade do oxigênio presente na atmosfera do planeta. Apesar disso, sabemos muito pouco sobre o ambiente onde esses seres microscópicos vivem, seja sobre a geologia dos oceanos, o funcionamento dos ecossistemas marinhos ou os tesouros naturais que as águas salgadas guardam. Na realidade, sabemos menos sobre os oceanos do que sobre a superfície da Lua.

Um núcleo de pesquisas de excelência da Alemanha tem se dedicado à tentativa de preencher as lacunas do conhecimento científico. Chamado de Future Ocean, o núcleo se configura em uma rede de mais de 200 pesquisadores da Universidade Christian Albrecht, do Centro Helmholtz Geomar de Oceanografia, do Instituto de Economia Mundial e da escola superior de belas artes Muthesius Kunsthochschule, instituições sediadas na cidade de Kiel, localizada no norte do país, à beira do Mar Báltico e junto à embocadura do canal artificial que leva até o Mar do Norte. A rede de cientistas conta também com uma série de colaboradores e parcerias com outros países – incluindo um pós-doutorando da USP. Uma das atividades desenvolvidas no âmbito do Future Ocean é uma exposição itinerante que procura apresentar ao público geral um pouco dos temas a que se dedicam os cientistas da rede.

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A mostra, batizada com o mesmo nome do núcleo de pesquisas, está em cartaz desde 25 de setembro no Museu do Instituto Oceanográfico (IO) da USP, na Cidade Universitária. A exposição chega a São Paulo depois de passar por Natal, Rio de Janeiro e Fortaleza – onde iniciou a turnê brasileira em maio, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, como parte da programação do ano da Alemanha no Brasil.

Com caráter educativo, “Future Ocean”, a exposição, usa jogos e painéis interativos para introduzir o público à oceanografia e à importância de se promover a sustentabilidade também no uso dos recursos oferecidos pelo mar. “O objetivo é mostrar a importância da oceanografia para a preservação dos recursos naturais. Hoje temos um modelo de vida que é destrutivo”, diz Sérgio Teixeira de Castro, diretor do Museu Oceanográfico.

A passagem pela USP, que conta com o apoio do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha, faz parte das atividades que integram as comemorações dos 80 anos da Universidade e ficará em cartaz até 18 de outubro, com visitação de terça a domingo, das 10h às 16h, e entrada gratuita. Os monitores que acompanham os visitantes receberam bolsas de formação financiadas pelo Centro Alemão de Ciência e Inovação em São Paulo.

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Passeio pelos mares – Logo na entrada do museu, o visitante encontra um exemplar de um tipo de coral e uma miniatura do submarino que os cientistas de Kiel utilizam em suas pesquisas. Um globo terrestre com trabalho em relevo representa como se acredita que seja o leito do mar. Já de cara, depara-se com um problema científico: não se sabe qual é a profundidade real dos oceanos porque os submarinos, mesmo os não tripulados, não passam dos 12 mil metros. Então, ninguém sabe até onde vão as Fossas Marianas, a região marinha mais profunda do mundo, localizada no Oceano Pacífico.

Também faz parte da exposição uma boia Argo. O dispositivo mede temperatura, pressão, salinidade e teor de oxigênio da água em diferentes profundidades, e transmite os dados por satélite para uma rede global de cientistas. Em frente, um painel mostra o percurso das grandes correntes marítimas.

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Uma das instalações conta com figuras de diferentes tamanhos de peixes. Cada uma das figuras tem um chip que identifica qual é a espécie do peixe, qual é a sua idade e se ele pode ser capturado ou deveria ser devolvido ao mar durante a pescaria – seja por ser muito jovem ou porque ainda está no começo de sua vida reprodutiva. Há, ainda, um jogo eletrônico para até quatro participantes, no qual é possível ver como a pesca predatória cria zonas vazias no mar, já que não deixam as populações de peixes se recuperarem. A pesca sustentável é um importante eixo de pesquisa em Kiel e os pesquisadores têm proposto o desenvolvimento de aquacultura e a redução das frotas de grandes barcos pesqueiros como alternativas para combater a pesca predatória que avança pelo alto-mar. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), mais de um quarto dos estoques de peixes atuais estão sendo superexplorados.

A mostra também dedica módulos às questões do lixo que chega aos mares (em um mapa, é possível ver onde materiais como sacos de plástico e latas se acumulam, formando grandes lixões submersos), da elevação do nível do mar e da acidificação das águas. Trabalhos acadêmicos mostram que a mudança no pH da água está causando problemas de má formação nas conchas dos moluscos e colocando em risco os ecossistemas dos recifes de corais. Em um dos módulos, é possível enxergar as camadas de sedimentos que formam o solo da região do delta do Rio Parnaíba, no Piauí.

Mineração do futuro – A exploração dos recursos naturais encontrados em alto-mar é explicada em vídeos que acompanham a exibição de exemplares de três tipos de pedras: fumarolas negras, hidratos de gás natural e nódulos de manganês. As fumarolas negras são pedras incandescentes encontradas nas fendas meso-oceânicas, onde há atividade vulcânica constante. Os principais depósitos de nódulos de manganês, minério utilizado na fabricação de aço e ligas de alumínio, ficam na costa oeste do México e no Oceano Índico. Os pesquisadores descobriram que há reservas imensas de minérios importantes para a atividade econômica no fundo do mar, mas a mineração subaquática depende muito de uma situação de preços altos no mercado internacional e da criação de uma tecnologia eficiente de escavação.

Já os hidratos de gás são cristais de gelo que contêm gases presos no interior. Os depósitos dessas pedras de gelo estão no leito marinho e no permafrost – um tipo de solo permanentemente congelado encontrado no Ártico. Eles ganharam a atenção dos cientistas porque, como são estáveis somente em alta pressão e baixa temperatura, uma alteração dessas condições pode fazer com que os gases naturais capturados no sólido sejam liberados para a atmosfera, potencializando o efeito estufa e causando um desastre ambiental de enorme proporção. No entanto, os cientistas também descobriram que os hidratos de gás são fontes de combustível um tanto atraentes. No ano passado, o Japão conseguiu pela primeira vez extrair gás de pedras de hidrato de metano do fundo do mar em uma operação-teste. China, Índia, Coreia do Sul e Taiwan também têm dispendido esforços para desenvolver suas reservas.

“Ainda não se sabe como processar os hidratos de gás natural, mas imagina-se que possam ser uma opção de geração de energia no futuro como alternativa ao petróleo”, conta Christian de Lamboy, do Centro Alemão de Ciência e Inovação, que acompanhou a montagem da exposição “Future Ocean” no Instituto Oceanográfico da USP.

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Sem capacidade técnica para coletar as rochas de forma segura para as pessoas e o ambiente, a exploração comercial parece ainda estar distante. Uma publicação do núcleo de pesquisa de Kiel produzida em parceria com outras instituições em 2010 sugere que, entre a expansão da fronteira de exploração de combustíveis fósseis em águas profundas e as futuras possibilidades de mineração no leito oceânico, talvez os sistemas marinhos de produção de energia mais sustentáveis sejam justamente aqueles que passam longe das perfurações e captam a energia das ondas, das correntes marítimas e do vento.

Além disso, há um problema jurídico associado à exploração off-shore: conforme as empresas levam as suas plataformas para reservas mais distantes da costa, é difícil definir a quem pertencem o petróleo, o gás natural e outros recursos quando as embarcações atingirem águas internacionais.

A exposição “Future Ocean” fica em cartaz até 18 de outubro no Museu Oceanográfico, do Instituto Oceanográfico da USP (Praça do Oceanográfico, nº 191, Cidade Universitária, São Paulo), de terça a domingo, das 10h às 16h. Entrada franca.

Mais informações: 11 3091-6587 e 3091-7149

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