Pesca excessiva de krill compromete reprodução das baleias-jubarte

Originalmente publicado em: Agência Universitária de Notícias. Ano 48. Nº 58. 26/06/2015.

Pesquisa pioneira da USP indica efeitos de parâmetros ambientais na dinâmica migratória desses animais

megaptera novaeangliaeProcurando estudar o efeito de parâmetros ambientais em processo migratório das baleias-jubarte (Megaptera novaeangliae), Daniela Abras, pesquisadora do Instituto Baleia Jubarte e mestre pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP), constatou forte ligação entre a reprodução dessas baleias e a disponibilidade de krill – conjunto de espécies de animais invertebrados semelhantes ao camarão, das quais as baleias se alimentam. No entanto, a pesca intensa do krill nos últimos tempos, especialmente na região da Antártica, pode impactar negativamente este cenário.

“O estoque krill é suscetível às alterações climáticas, principalmente o aumento da temperatura do mar e a formação da camada de gelo. Então a sobrepesca e a diminuição do seu estoque podem gerar futuros problemas para sua manutenção, influenciando diretamente em todas as espécies ‘krill-dependentes’ na Antártica, incluindo a população de baleia-jubarte que se reproduz na costa brasileira”, explica a pesquisadora. O krill é utilizado, principalmente, para a alimentação humana e de peixes de viveiro, além da fabricação de comida de cachorro.

A pesquisa de Abras é pioneira, não havendo estudo semelhante que tenha levado em consideração dados contínuos e com metodologia tão padronizada. “São sete anos de dados sistemáticos de registros de avistagem de baleias, e correlacionar com dados ambientais para compreender a dinâmica migratória foi algo nunca antes feito com baleias-jubarte no Brasil”. Além disso, compreender quais são os fatores que mais influenciam esta dinâmica é importante pois pode direcionar ações de manejo e proteção das baleias-jubarte com relação ao momento prioritário de migração ao longo dos corredores, dependendo das características ambientais de cada ano.

 

Investigando a dinâmica das baleias

O tema da dissertação surgiu a partir de pesquisa de Maria Emília Morete, doutora pelo Instituto de Biociências da USP, que constatara a existência de diferenças no dia com maior número de baleias avistadas e na duração da temporada reprodutiva das baleias-jubarte no Brasil ao longo dos anos. Com isso, Abras procurou investigar a hipótese de que tais diferenças fossem decorrentes de alterações nas condições ambientais e na disponibilidade de recursos na área de alimentação das baleias, na Antártica.

Foram estudadas duas áreas: a região do Mar de Scotia e o Banco dos Abrolhos, áreas de alimentação e reprodução das baleias jubarte, respectivamente.

A primeira é limitada por um arco das ilhas Falkland (Malvinas), Geórgia do Sul, Sandwich do Sul, Órcades do Sul e Shetland do Sul, que ligam a Terra do Fogo à Península Antártica. As profundidades chegam entre três e cinco mil metros, e as temperaturas dessa região variam entre 6 e -1°C.

Já a segunda área tem como característica principal a extensão da plataforma continental, que mantém as profundidades em torno dos 30 metros e proporciona águas mais calmas e com temperaturas amenas, em torno dos 26° C. O local de amostragem em terra se localiza na maior das cinco ilhas que compõem o Arquipélago dos Abrolhos, na Ilha de Santa Bárbara, sob jurisdição da Marinha do Brasil. Ele se insere dentro do primeiro parque nacional marinho do Brasil, o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, hotspot de biodiversidade marinha do Atlântico Sul.

A pesquisa foi desenvolvida a partir de dados ambientais, provenientes de satélite ou disponíveis online, de fotoperíodo, índice de oscilação do oceano austral (SOI), temperatura da superfície do mar, clorofila-a e densidade de krill, para analisar quais parâmetros ambientais influenciam na migração das baleias. Tais dados foram comparados com registros de avistagem de baleias-jubarte no Banco dos Abrolhos através de modelagem ecológica.

Segundo a pesquisadora, trabalhar com um enorme volume de dados e escolher os modelos ecológicos a serem utilizados foram as maiores dificuldades encontradas. Após a obtenção dos resultados, tentar compreender como tantos fatores ambientais interligados podem influenciar na migração das baleias foi um desafio.

 

Gatilhos migratórios

Com os resultados observou-se que, provavelmente, o fotoperíodo é o que impulsiona a migração da Antártica em direção a Abrolhos, o que pode indicar que, independente das características ambientais, as baleias-jubarte são geneticamente programadas para iniciar os movimentos migratórios no mês abril.

Já em relação à volta de Abrolhos para a Antártica, o gatilho migratório também inclui o aumento gradual ao longo da temporada da temperatura superficial do mar e a fome, que vai ser indicada pela disponibilidade de alimento no verão anterior. Ou seja, se há maior disponibilidade de krill, as baleias se alimentarão melhor, terão mais reserva energética e permanecerão mais tempo em Abrolhos investindo na reprodução, demorando mais para voltar para a Antártica. “Então, o maior estoque de krill na Antártica irá proporcionar condições ótimas para a reprodução das baleias aqui no Brasil, e o contrário também é válido: menor estoque de krill, menor tempo de investimento em reprodução”.

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