Baía de Todos os Santos é área de berçário das Arraias-brancas

Originalmente publicado em: Agência Universitária de Notícias. Ano 48. Nº 72. 10/08/2015.

Pesquisa realizada na USP investigou mais a fundo o animal, que é objeto de pesca intensa no Nordeste do Brasil

dguttata marionProcurando compreender a função da Baía de Todos os Santos, região nordeste da costa brasileira, no ciclo de vida da Arraia-branca (Dasyatis guttata), estudo conduzido pelo Instituto Oceanográfico da USP (IOUSP) indicou que a região serve de berçário para a espécie e que apresenta uma população vivente no local. O trabalho da pesquisadora Camila Marion foi o primeiro que envolveu uma amplitude de fatores e análises nunca antes consideradas.

“A gente já sabia que tinha um elevado desembarque de arraias nessa baía, e daí fui pra lá para conhecer seu ciclo. Tem poucas informações sobre essa espécie na Bahia, embora seja a mais desembarcada lá, existem só estudos sobre alimentação, regionais, e divulgados apenas em anais de congresso. Então, esse trabalho serviu pra ver por que e como que elas estão ali”, explica a pesquisadora.

A Arraia-branca é a espécie de raia mais abundante na região nordeste da costa brasileira e nas comunidades pesqueiras da Baía de Todos os Santos, e sua pesca artesanal é praticada, em maior ou menor escala, em uma série de comunidades locais. No entanto, o estudo foi conduzido a partir de apenas duas: Bom Jesus dos Passos, que é o principal local de desembarque do animal na baía, e São Francisco do Conde, que, embora seja uma região com menor frequência de pesca, apresenta características oceanográficas distintas do restante da Baía, como menor profundidade e maior aporte de água continental

Os exemplares de arraia foram obtidos através de desembarques da pesca artesanal local, então não foi necessário fazer nenhum tipo de arrasto ou captura extra. Além disso, todos esses exemplares foram depois vendidos para alimentação, evitando, assim, qualquer desperdício e impacto.

 

Conhecendo a Arraia-branca

Apesar de não ser definitiva, a conclusão acerca da área de berçário foi possível a partir da captura de fêmeas e machos em proporções iguais. “Na área noroeste [da Baía de Todos os Santos], que é a região de São Francisco do Conde, foi onde a gente pegou os menores exemplares e numa proporção sexual de 1 para 1. Nas outras áreas sempre foi diferente, sempre teve mais fêmea. Em cativeiro, é normal ter essa proporção similar de macho e fêmea, é a proporção de nascimento”, explica Marion. Com isso, supõe-se que nessa área nascem as arraias, que depois de um tempo começam a migrar para outros locais.

Esse foi o resultado mais destacado, mas a pesquisa incluiu uma série de outros aspectos sobre o ciclo de vida dessa espécie. Por exemplo, em relação à alimentação, observou-se uma diferença entre jovens e adultos: enquanto os jovens comem mais um animal chamado camarão-de-estalo, os adultos comem mais o que é conhecido popularmente como corrupto. Isso se dá por causa da força de sucção da arraia, que aumenta conforme ela cresce, permitindo que capture alimentos maiores e que se escondem mais profundamente no sedimento.

Além disso, as diferenças entre fêmeas e machos são notáveis, começando pelo tamanho. As fêmeas são muito maiores que os machos: enquanto o maior macho estudado tinha 78 cm (em termos de largura de disco, medida entre uma nadadeira peitoral a outra), a maior fêmea tinha 105 cm. As fêmeas também vivem mais que os machos e ambas essas características estão relacionadas ao ciclo reprodutivo e gestacional das fêmeas.

Por último, foi realizado um estudo etnobiológico, no qual foram feitas entrevistas com os pescadores locais para saber mais sobre seu conhecimento a respeito da arraia. Essa etapa da pesquisa convergiu totalmente com os resultados previamente obtidos. “O que eu fiquei lá pesquisando por um ano, se você fica uma tarde com os pescadores você descobre tudo, tudo convergiu”, brinca a pesquisadora.

 

O perigo da pesca excessiva

Segundo Marion, os elasmobrânquios (subclasse de peixes cartilaginosos que compreende os tubarões e as arraias) são extremamente vulneráveis à pesca, devido a uma série de fatores. Primeiramente, sua maturação sexual demora muito tempo – a Arraia-branca leva de cinco a seis anos para se tornar adulta, enquanto alguns peixes ósseos levam de seis meses a um ano –, então o seu crescimento é lento. Elas também têm poucos filhotes, o que dificulta a renovação da população, e, somado a isso, o fato de serem animais maiores faz com que possam ser capturados por uma grande variedade de artes de pesca.

No caso específico das Arraias-brancas, a pesca tem na alimentação sua única finalidade, mas, mesmo assim, é elevada e tem crescido. “Minha orientadora, Lucy Satiko Soares, fez uma pesquisa lá em 2011, e eles usavam, aproximadamente, de 100 a 200 anzóis por pescaria. Hoje em dia eles estão usando mais de mil. Então aumentou bastante, porque diminuiu a captura. Embora os pescadores achem que essa espécie se reproduz muito, que não vai acabar, tem estudos que mostram várias espécies em declínio justamente por causa da captura excessiva”, conta a pesquisadora. Quanto mais se pesca, mais se investe na atividade.

Ainda assim, só com os dados desse estudo não é possível afirmar que a extinção da espécie seja um risco real. Marion reitera a necessidade de se realizar trabalhos com esse por mais tempo, para considerar as flutuações de ano para ano e, assim, conseguir construir um panorama mais preciso: “Estudos de mais de um ano são fundamentais para ver flutuações do ciclo de vida, comportamentos e potenciais riscos. De repente até trabalhar com outras artes de pesca que capturem exemplares menores. Com os petrechos monitorados a gente só conseguiu exemplares maiores de 31 cm, e sabe-se que ela nasce mesmo com 12 a 17 cm de largura de disco.

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