Esta formação submarina a 6 mil metros de profundidade é repleta de vida – e de minerais cobiçados

Fonte: National Geographic

Cientistas têm avançado o conhecimento sobre ambientes como a Elevação do Rio Grande, a 1.200 km da costa brasileira. Mas interesse em minerais no fundo do mar coloca em risco a biodiversidade e seus serviços ecossistêmicos, como o estoque de carbono.

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Submarino remoto registra imagens a mais de 4 mil metros de profundidade na Elevação do Rio Grande, uma formação a 1,2 mil metros da costa brasileira.
POR NATIONAL OCEANOGRAPHY CENTRE, SOUTHAMPTON/INSTITUTO OCEANOGRÁFICO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
 

A Elevação do Rio Grande é uma imensa região submarina situada a 1.200 km da costa sudeste do Brasil, fora da plataforma continental jurídica do país. Fendas, platôs, montes e formações vulcânicas se estendem por 480 mil km2 – praticamente o tamanho do território da Espanha – no Atlântico Sudoeste, em profundidades que vão de 600 a 5 mil metros. Cientistas já identificaram que a área abriga uma alta diversidade de habitats e espécies, que contribuem para manter o oceano equilibrado e, por consequência, o planeta habitável, a partir de serviços ecossistêmicos como o estoque de carbono. 

Mas os ecossistemas de mar profundo, como a Elevação do Rio Grande, enfrentam uma pressão crescente pela exploração comercial de seus recursos minerais, considerados patrimônio comum da humanidade. Atualmente, há 31 contratos de exploração de países e empresas vinculadas com a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês), encarregada da organização, regulação e controle das atividades minerárias no fundo do mar.

Os acordos com a ISA permitem apenas a pesquisa mineral em regiões profundas do Pacífico Ocidental, do Atlântico Sul, do Índico, da Cordilheira Mesoatlântica e da Zona de Clarion-Clipperton, e envolvem a prospecção de nódulos e sulfetos polimetálicos e crostas de ferro-manganês ricas em cobalto. O futuro dessas áreas além das jurisdições nacionais dependerá das decisões tomadas pela autoridade nos próximos meses, diante da pressão pela explotação – a exploração comercial em si.

A vida no mar profundo existe na escuridão, em um sistema no qual as espécies desenvolveram mecanismos de adaptação. A luz, por exemplo, é oriunda dos próprios indivíduos por meio do fenômeno da bioluminescência – uma das características que mais impressiona Paulo Sumida, biólogo e professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP). 

A Elevação do Rio Grande é composta por fendas, platôs, montes e formações vulcânicas que se estendem por 480 mil km2 – praticamente o tamanho do território da Espanha – no Atlântico Sudoeste, em profundidades que vão de 600 a 5 mil metros. Vídeo de National Oceanography Centre, Southampton/Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo
 
“Você desce com o submersível totalmente apagado, aí pisca a luz e todos os organismos começam a piscar. Parece que você se transporta para o espaço e está vendo as estrelas”, observa Sumida, que estuda a Elevação do Rio Grande desde 2013. Na época, ele integrou uma expedição do IO-USP em parceria com a Agência Japonesa de Ciência e Tecnologia da Terra e do Mar, na qual desceu a 4.200 metros de profundidade. “A percepção que fica do ambiente e da estrutura é diferente também. O mar profundo é uma caixa-preta, mas tem montanhas, morros e vulcões, habitados por organismos fantásticos.”

Em uma década de estudos na Elevação do Rio Grande, os cientistas constataram uma grande diversidade de organismos. Corais e esponjas espalham-se pela região e formam estruturas tridimensionais, que permitem a colonização de outros organismos. Artrópodes, crustáceos, moluscos e peixes compõem a fauna desses ambientes, a exemplo do tubarão-azul (Prionace glauca) e do espadarte (Xiphias gladius). 

Sumida é co-autor de um estudo publicado no periódico Deep-Sea Research, em agosto de 2022, que analisou a fauna bentônica da Elevação do Rio Grande, isto é, dos organismos que habitam o fundo do mar. Em uma expedição de 14 dias financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Centro Nacional Oceanográfico de Southampton, no Reino Unido, os pesquisadores realizaram 13 mergulhos de um veículo subaquático controlado remotamente, com uma câmera acoplada. Eles filmaram 36 horas em uma extensão de 26 quilômetros do fundo do mar, além de coletar amostras dos 10 indivíduos mais representativos. 

Ao analisar as imagens, os cientistas identificaram 11 habitats heterogêneos – cinco na fenda e seis nos platôs – que mudam rapidamente suas características geomorfológicas, declives e texturas do substrato. Essa diversidade de ambientes possibilita uma alta variedade de espécies, comprovada pelos 17 mil organismos bentônicos identificados.

 

Uma expedição de 14 dias financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Centro Nacional Oceanográfico de Southampton, no Reino Unido, pesquisadores puderam realizar 13 mergulhos de um veículo subaquático controlado remotamente, com uma câmera acoplada. Eles filmaram 36 horas em uma extensão de 26 quilômetros do fundo do mar, além de coletar amostras dos 10 indivíduos mais representativos. Vídeo de National Oceanography Centre, Southampton/Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo
 

Os animais poríferos representaram 42,7% dos indivíduos, com destaque para a Sarostegia oculata, uma esponja que mimetiza os corais ao formar estruturas tridimensionais com a anêmona Thoracactis topsenti. Os cnidários são o segundo filo com maior presença (41,5%), sobretudo o coral-negro (Aphanostichopathes sp.). O terceiro são os equinodermes (12,9%), com maior presença do ouriço-do-mar (Gracilechinus sp.). “Uma série de pequenos invertebrados vive em associação e tem funções nesse ecossistema – comem, reciclam e exportam matéria orgânica e se reproduzem. São serviços que parecem pequenos, mas ajudam a manter o planeta habitável”, observa Sumida.

Segundo o estudo, ainda há pouca informação sobre a biodiversidade e os padrões ecológicos na Elevação do Rio Grande. Apesar de a região pesquisada ser pequena em relação à área total, os resultados “indicam padrões espaciais claros na composição da fauna que são influenciados pelos habitats e pelas presenças de crostas de ferro-manganês”.

“A distribuição da fauna é irregular, ligada a habitats com potenciais recursos minerários, e dominadas por indicadores característicos de ecossistemas marinhos vulneráveis”, concluem os autores do estudo, que defendem “análises extensivas” antes de ser considerada a exploração comercial dos recursos naturais da Elevação do Rio Grande.

Esses minerais se depositaram ao longo de milhares de anos nas bordas das fendas, nos montes submarinos, nas fontes hidrotermais e no assoalho marinho. Por um lado, são recursos que atraem a indústria da mineração diante do potencial bilionário para a transição energética, com matérias-primas para a produção, por exemplo, de turbinas eólicas e baterias de veículos elétricos. Por outro, essa exploração colocaria em risco uma vasta diversidade de espécies e habitats sobre os quais o conhecimento científico ainda é incipiente, mas são fundamentais para manter o equilíbrio do oceano. 

Cientistas identificaram 11 habitats heterogêneos – cinco na fenda e seis nos platôs – que mudam rapidamente suas características geomorfológicas, declives e texturas do substrato. Essa diversidade de ambientes possibilita uma alta variedade de espécies, comprovada pelos 17 mil organismos bentônicos identificados. Vídeo de National Oceanography Centre, Southampton/Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo
 

“O oceano é o ambiente mais comum do nosso planeta, com 330 milhões de quilômetros quadrados e mais de 1 bilhão de quilômetros cúbicos de água. É um espaço com grande influência no planeta, porque absorve muito calor. Praticamente todas as massas d’água reciclam esse calor e fazem o planeta ter uma condição de vida agradável, a partir do sequestro de carbono”, explica Sumida. “Esse CO2 extra que está sendo absorvido acaba indo para a região do mar profundo. A fauna tem um papel importante, porque enterra esse carbono dentro do sedimento, onde pode ficar até milhões de anos.”

 

Mineração no mar profundo

 

O primeiro semestre de 2023 será determinante para a manutenção dos ecossistemas do mar profundo, sobretudo nas áreas além das jurisdições nacionais (ABNJ, na sigla em inglês, ou a “Área”). Isso porque a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos e os 36 países membros do conselho têm até julho próximo para definir um código de mineração, com diretrizes ambientais para a exploração comercial desses minerais. O primeiro encontro da 28ª sessão da ISA aconteceu em março, com a participação dos países que integram o conselho, inclusive o Brasil.

O acordo de implementação da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) adotou a “regra de dois anos”, para facilitar a adesão das nações e sua ratificação em 1994. Esse dispositivo foi acionado em julho de 2021 por Nauru, um país insular do Pacífico interessado em extrair nódulos polimetálicos com a The Metals Company, empresa que produz baterias para veículos elétricos. Desde então, a ISA tem 24 meses para que as regulações sejam discutidas e, a partir delas, países possam entrar com pedidos de explotação.

O encontro deste mês deu sequência às negociações da 27ª sessão da ISA, concluída em novembro passado. Naquela ocasião, a autoridade entendeu que houve avanço nos grupos de trabalho que tratam do modelo de financiamento e do mecanismo de pagamento para a mineração no mar profundo; da proteção e preservação do ambiente marinho; de inspeção, compliance e fiscalização; e de questões institucionais.

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Vídeo de National Oceanography Centre, Southampton/Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo
 

“É direito de todos os Estados, desenvolvidos e em desenvolvimento, costeiros e continentais, realizar a exploração e, eventualmente, a explotação de minerais na Área. A única condição para a execução desses direitos fundamentais é que todas as atividades na Área sejam conduzidas em conformidade com as regras, regulações e procedimentos da ISA, incluindo aqueles relacionados à proteção do ambiente marinho”, disse Michael Lodge, secretário-geral da ISA, no encerramento da sessão.

“Completar o trabalho em andamento é a melhor garantia que temos de que as atividades na Área sejam conduzidas sob um regime único global, de uma maneira que previna danos ao ambiente marinho e beneficie toda a humanidade. O trabalho é difícil, requer comprometimento, mas está ao nosso alcance”, defendeu Lodge. 

 

Riscos ambientais da mineração

 

O conselho da ISA adotou uma proposta da Alemanha, para a criação de um instrumento vinculante que estabeleça limites ambientais. Assim, a autoridade financiará um estudo independente sobre os custos ao meio ambiente da explotação de recursos minerais no mar profundo.

Apresentada ao conselho em junho de 2022, a proposta alemã trata da criação de normativas ambientais necessárias para que a atividade minerária respeite a UNCLOS. O artigo 145 deste tratado internacional, concluído em 1988 e em vigor desde 1994, determina a proteção efetiva do ambiente marinho de efeitos danosos, que podem derivar de atividades nas áreas além das jurisdições nacionais. Prevê também ações de emergência para suspender ou adequar operações para prevenir danos severos, além de determinar responsabilização e compensação pelos danos ambientais.

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Vídeo de National Oceanography Centre, Southampton/Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo
 

O trabalho será conduzido pela Comissão Legal e Técnica da ISA, com apoio de um grupo interdisciplinar independente formado por cientistas e técnicos. Para elaborar as normativas, será preciso aprofundar as pesquisas científicas e determinar limites para cinco indicadores de pressão esperados no caso da mineração no mar profundo. A partir disso, os pedidos seriam enquadrados nas categorias “proteção efetiva”, “risco de dano sério” e “dano sério”.

Conforme a proposta alemã, o primeiro indicador é a toxicidade, já que a atividade minerária pode liberar substâncias tóxicas seja pela emissão de químicos no ambiente, seja pela redisponibilização de substâncias na coluna d’água.

As taxas de sedimentos, que variam conforme tecnologias e técnicas empregadas na explotação, são outro fator de pressão. Por exemplo, a extração dos nódulos polimetálicos pode alterar a concentração dos sedimentos no ambiente e resultar na perda de espécies adaptadas a baixas taxas. 

A turbidez, por sua vez, diz respeito aos sedimentos que ficam suspensos na coluna d’água, decorrentes da operação minerária ou da descarga na água desde a plataforma mineradora. A escala dos impactos nos organismos vivos ainda é desconhecida, mas essa pluma de sedimentos deve afetar os plânctons e organismos que dependem da filtração.

A poluição sonora das operações minerárias pode impactar os animais que habitam os ambientes profundos, como os cetáceos e outras espécies cuja alimentação ocorre nos montes submarinos, onde há crostas ricas em cobalto.

Já a poluição luminosa é capaz de mudar comportamentos ou até mesmo deslocar do ambiente espécies das planícies abissais, onde há ocorrência de nódulos polimetálicos, além de colocar em risco a sobrevivência dos animais bentônicos.

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Vídeo de National Oceanography Centre, Southampton/Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo
 

A posição brasileira é de que contratos de explotação não devem ser concedidos até que seja aprovado um código de mineração ambicioso e responsável. Diante da dificuldade de concluir esta regulamentação até julho de 2023, o país defende que nenhum contrato seja concedido com base na “regra dos dois anos”. Membros do conselho, Alemanha, França, Espanha, Costa Rica, Nova Zelândia, Chile, Panamá, Fiji e os Estados Federados da Micronésia defenderam uma pausa nas negociações ou uma moratória da mineração no mar profundo, segundo a Bloomberg

Elza Moreira de Castro, embaixadora do Brasil na Jamaica, liderou a delegação brasileira na 28ª sessão e considerou necessária a suspensão da mineração no mar profundo, para que não prejudique as discussões e negociações em andamento sobre o Código de Mineração.

“O Brasil acredita que o atual nível de conhecimento e a melhor ciência disponível são insuficientes para aprovar qualquer projeto de mineração no fundo do mar em áreas além da jurisdição nacional”, declarou Castro, na sessão da ISA em 27 de março. “Os Estados devem, portanto, abster-se de patrocinar qualquer plano de trabalho para explotação até que pesquisas aprofundadas sobre os ecossistemas do mar profundo e os impactos das atividades minerárias estejam disponíveis, e até que regulações de exploração com claros padrões ambientais estejam prontas, inclusive o monitoramento e as provisões de compliance a fim de garantir que o ambiente marinho não seja seriamente prejudicado.”

A prioridade do momento consiste na proteção dos fundos marinhos em águas internacionais, até que a ciência tenha clareza sobre os reais impactos das atividades minerárias, acrescentou Castro. Para a embaixadora, o conhecimento científico que ainda falta envolve, por exemplo, “perdas e danos à biodiversidade marinha; a produção de plumas de sedimentos extensas; danos ao armazenamento de carbono no fundo marinho e suas consequências às mudanças climáticas; poluição sonora pela atividade de maquinários industriais; e introdução de metais tóxicos nas cadeias alimentares marinhas”.

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Vídeo de National Oceanography Centre, Southampton/Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo
 

“O que está em discussão agora é a questão da biodiversidade além das áreas de jurisdição nacional. Temos dois instrumentos olhando para a mesma região: um do ponto de vista da biodiversidade, outro do manejo da mineração”, observa Maila Guilhon, em referência ao Tratado da Biodiversidade, proposto na Assembleia-Geral da ONU, e o Código de Mineração em pauta na ISA, respectivamente – ambos esperados para este ano.

Desde 2017, Guilhon estuda estratégias e diretrizes para preservar ecossistemas na exploração mineral em águas internacionais, em seu doutorado em Oceanografia Biológica no Instituto Oceanográfico da USP. Como parte do programa, a bióloga está no Instituto de Estudos Avançados em Sustentabilidade de Potsdam, na Alemanha, onde mantém contato com stakeholders, contratantes da ISA e membros do conselho da assembleia técnica e científica, além da delegação alemã.

Para Guilhon, os serviços ecossistêmicos de cada região representam um elemento essencial na discussão sobre a mineração no mar profundo. A bióloga tratou deste tema com o olhar para a Elevação do Rio Grande, em um estudo de 2019 no qual identificou serviços importantes norteados pela alimentação proveniente da pesca, a regeneração de nutrientes e a variedade de habitats. “Ao mapearmos a região, vimos que existe muita diversidade de características físico-químicas e geológicas e habitats para espécies consideradas vulneráveis, importantes inclusive do ponto de vista de regulações internacionais”, aponta. 

“Se ocorrer mineração, uma pluma de sedimentos se arrastará por quilômetros causando danos à biodiversidade, que é bentônica e depende de mecanismos de infiltração para respirar ou obter alimentos. Esses sedimentos podem entrar nos orifícios dos organismos e matá-los”, analisa Guilhon. “A contaminação da água depende do recurso e da tecnologia utilizada para extraí-lo. Por exemplo, na extração de nódulos tem a sucção. Depois, parte desse fluido que subiu junto com os nódulos retorna ao assoalho marinho. Isso libera uma série de metais que poluem a água. Ainda não sabemos a extensão disso.”

 

A Elevação do Rio Grande

 

O Brasil tem a Elevação do Rio Grande como área de maior interesse no mar profundo, tanto do ponto de vista científico quanto comercial. O Serviço Geológico do Brasil, vinculado ao Ministério de Minas e Energia, estuda a região desde 2009, quando identificou a ocorrência de nódulos polimetálicos e crostas de cobalto. Em 2015, o país firmou um contrato com a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA) para explorar crostas de ferro-manganês na Elevação do Rio Grande, válido até 2030.

Nas pesquisas, o SGB identificou estruturas rochosas semelhantes às da margem continental brasileira. Com isso, o Brasil solicitou à Comissão sobre os Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas, em dezembro de 2018, a inclusão da Elevação do Rio Grande à sua zona econômica exclusiva (ZEE). Enquanto aguarda a resposta da ONU, a área está sob a responsabilidade do Brasil.

O SGB já realizou 19 expedições para a Elevação do Rio Grande, a fim de estudar as crostas de ferro-manganês, as fontes de hidrocarboneto e a sismicidade. “São áreas bastante interessantes. Comprovamos a presença de carapaças ferromagnesíferas ricas em cobalto e encontramos pockmarks, que são marcas de escape de gás, indicando a existência de depósitos de gás na região”, conta Luciana Felício, chefe da divisão de Geologia Marinha do Serviço Geológico do Brasil.

No Atlântico Sul, o Brasil é o país com maior domínio da ciência e das tecnologias de pesquisa no mar profundo. Em novembro de 2022, o SGB e a ISA realizaram uma expedição de treinamento na Elevação do Rio Grande, para pesquisadores de países em desenvolvimento. “É uma área com potencial grande, mas a tecnologia de exploração em águas profundas ainda é muito restrita”, considera Felício. “E existe uma discussão frente à condição ambiental. É um ambiente extremamente preservado.”

Nenhuma empresa demonstrou interesse ao SGB na exploração comercial da região, segundo Felício. A Agência Nacional de Mineração (ANM), por sua vez, informou à reportagem que não há requerimentos de mineração em regiões de mar profundo. O Brasil só poderá autorizar atividades minerárias na Elevação do Rio Grande após a aprovação do pedido de extensão da ZEE.

Guilhon tem dúvidas sobre o interesse do Brasil em explorar comercialmente os recursos do mar profundo, porque, “neste momento, não possui a tecnologia para realizar essa exploração, como outros países”. Com isso, teria que fazer parcerias com governos, instituições ou empresas estrangeiras, enquanto a Elevação do Rio Grande segue no contexto da ISA, como área além da jurisdição nacional. Se a região passar a integrar o território nacional, “não temos uma regulamentação para a mineração no mar profundo”, pondera Guilhon. 

O Código de Mineração brasileiro não faz distinção de solicitações para a exploração terrestre e marinha, apesar das técnicas e dos impactos particulares, conforme a ANM. “Em um eventual aumento de interesse em qualquer atividade de mineração na região da Elevação do Rio Grande, o que falta é um marco regulatório. É bastante importante termos uma base regulatória, como uma Lei do Mar, com princípios norteadores e boas práticas ambientais”, defende Guilhon. “Precisamos ter o princípio da precaução como o primeiro ponto a se levar em consideração, além da participação da sociedade civil.”

Uma moratória pelo avanço da ciência

Na Conferência dos Oceanos em Lisboa, em meados de 2022, representantes de nações e ilhas do Pacífico lançaram uma aliança global por uma moratória da mineração do mar profundo. O movimento defende a proibição de qualquer exploração comercial dos recursos minerais no fundo marinho por uma década, período que permitiria o avanço da ciência sobre esses ambientes, a importância da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos, e os distúrbios que seriam causados por eventuais atividades humanas, como a mineração e a exploração de gás.

Uma década não seria suficiente para a ciência avançar o necessário, mas a moratória se torna essencial diante do contexto atual, acredita Guilhon. As negociações para um código de mineração na ISA avançam em ritmo lento, continua a bióloga, sobretudo do ponto de vista ambiental, enquanto o dispositivo acionado por Nauru pode gerar decisões precipitadas.

“Estamos preocupados em construir uma regulação bastante robusta, fazer parcerias, entender mais do mar profundo. Mas, frente às tentativas de acelerar o processo, vejo a moratória como uma alternativa para segurá-lo”, observa Guilhon. “Não estamos prontos para minerar, isso é claro. Não acredito que estaremos prontos em 10 anos. Mas não podemos correr o risco de isso começar de qualquer forma agora, baseado no interesse de outros. Seria uma tragédia.”

Além de aprofundar conhecimento sobre a biodiversidade, os habitats e os serviços ecossistêmicos, a moratória poderia dar tempo para estudos identificarem soluções bioeconômicas para inovações na medicina, por exemplo.

Nas expedições para a Elevação do Rio Grande, o Serviço Geológico do Brasil já identificou espécies com potenciais biotecnológicos. Das esponjas Tethya cripta é possível extrair as substâncias para a produção do fármaco AZT, indicado para o tratamento da aids. Nos corais presentes na região existem pseudopterosinas, agentes anti-inflamatórios e analgésicos. Já o veneno do caramujo do gênero Conus possui propriedades para tratar dores crônicas, podendo ser uma alternativa potencial à morfina. 

“Na Amazônia, temos o conhecimento dos povos tradicionais, com o consumo de plantas como uma farmácia ao seu dispor, para estudar e encontrar vários tipos de medicamentos e produtos para a indústria da biotecnologia”, compara Paulo Sumida, que é a favor da moratória. “No mar profundo, a natureza encontrou maneiras de lidar com esses ambientes extremos, que permitem uma exploração da biotecnologia. É um processo de seleção de milhões de anos que, com a mineração, seria exaurido em apenas alguns anos.”

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