COP 30: protagonismo dos oceanos precisa entrar no centro da agenda climática global

Fonte: Jornal da USP

 

Alexander Turra fala do protagonismo que o Brasil pode ter na defesa dos oceanos no cenário internacional

 

Visão do fundo do oceano

Estão sendo articulados esforços para criar um pavilhão dedicado aos oceanos na COP 30 – Arte sobre foto de upklyak/Freepik

 

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Com a COP 30 se aproximando — marcada para novembro de 2025, em Belém (PA) —, os oceanos devem assumir um papel central nas negociações climáticas. A urgência de se integrar os mares à agenda ambiental internacional foi defendida com firmeza pelo professor Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da USP e titular da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade dos Oceanos.

“Não faz sentido discutir a questão climática deixando os oceanos de lado, eles são o grande regulador do clima no planeta.” Segundo o professor, os efeitos percebidos na sociedade e nas atividades econômicas passam necessariamente pela intermediação dos mares, além das múltiplas possibilidades de geração de energia renovável associadas às marés, às ondas e até a gradientes de temperatura e salinidade. “Esta última ainda precisa ser bastante desenvolvida no mundo, e o Brasil pode ser um grande protagonista, um grande iniciador desse tipo de caminho.”

Desde a COP 26, quando os oceanos foram oficialmente inseridos nas discussões climáticas, o tema vem ganhando tração. No entanto, o professor alertou que essa inclusão ainda precisa ser fortalecida. “O Brasil fez a primeira carta para a COP 30 há um mês e meio, e nessa carta não existia menção ao oceano. A gente fez uma mobilização grande das instituições que participaram do Oceans 20 […] e isso surtiu efeito.” A pressão da sociedade civil levou à publicação da segunda carta, já com um espaço mais destacado para os oceanos. “Ainda não é o que a gente queria, mas já vemos uma porta para aprofundar a temática.”

 

Turra revela que estão sendo articulados esforços para criar um pavilhão dedicado aos oceanos na COP 30, com participação de diversos atores: “Governo federal, Governo do Estado do Pará, organizações internacionais, sociedade civil, todo mundo ali para dialogar”.

Sobre os impactos ambientais, o professor relaciona as mudanças climáticas à perda da biodiversidade marinha. “Estamos vendo branqueamento dos corais com pulsos cada vez mais evidentes, mais fortes, processos de acidificação da água do mar, eventos extremos com magnitude e frequência aumentando ao longo do tempo.” Tudo isso, somado a pressões locais como a poluição e a degradação de hábitats, cria uma “condição de pressão absoluta sobre a biodiversidade”.

Como resposta, Turra apontou metas e ações concretas. “A Convenção da Diversidade Biológica traz para a gente uma meta mínima de ter pelo menos 30% de áreas efetivamente protegidas até 2030 — o chamado 30 por 30.” Além disso, defende o combate direto às fontes de poluição, como esgoto, lixo e vazamento de óleo no mar para preservar a saúde dos ecossistemas marinhos e sua capacidade de absorver impactos climáticos.

 

Ultrapassar limites

Outro ponto crítico destacado pelo especialista é o risco de ultrapassarmos limites irreversíveis. “Temos vários elementos que estão passando dos limites e eles, de forma conjunta, têm um efeito sinérgico muito grande.” Um exemplo claro são os recifes de coral, que correm risco com o aumento de 1,5º a 2ºC nas temperaturas médias globais. “Não estamos muito longe de uma situação alarmante como essa.”

Para evitar o colapso, o professor defende duas frentes de atuação: mitigação e adaptação. “Precisamos reduzir as emissões e aumentar o sequestro de carbono, com soluções baseadas na natureza, como reflorestamento de áreas de manguezal e cultivo de algas.” Em paralelo, ele propõe a adaptação das cidades e da agricultura para enfrentar um mundo em mudança, com foco em segurança alimentar, hídrica e soberania nacional.

A expectativa em torno da Conferência da ONU sobre o Oceano, que acontece em junho, na França, é grande. Turra vê nela um marco no “enredo que vem elevando a atenção ao oceano na agenda internacional”. Ele destaca a assinatura do documento bilateral Brasil-França, chamado “de Nice, a Belém, da Unoc à COP”, como um passo estratégico para dar centralidade à temática marinha.

“O Brasil é um país com muita centralidade na agenda de oceano, não só porque é uma nação marítima, mas também porque tem um protagonismo gigantesco na ciência que se produz no oceano”, afirma. Ele cita a criação, pela Fapesp, de um programa dedicado ao Atlântico Sul e à Antártica como exemplo da força da pesquisa nacional.

Segundo Turra, o Brasil está pleiteando sediar a Conferência da Década do Oceano em 2027 e cogita apresentar candidatura para abrigar a próxima Conferência da ONU sobre os Oceanos. “Por que não dizer que a gente pode levar para Nice uma proposta de sediar a próxima conferência aqui no Brasil?”

O professor reforça o papel essencial da ciência no enfrentamento da crise climática. “Sem a ciência conversando com quem realmente toma as decisões, sem essa junção, a gente não vai conseguir resolver esse problema.” E completou: “O mote da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano é justamente a aproximação entre a ciência e a tomada de decisão, entre o oceano e a sociedade. Isso a gente só faz dialogando”.

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